quarta-feira, 24 de julho de 2013

Ilusões



A dias de se assinalar o seu nascimento, relemos uma das obras mais célebres de Jean Baudrillard.


Texto Myriam Mesquita Lopes

Actualmente a simulação ocorre em modelos de geração de um real sem origem, e como este real simulado não tem origem, não há exactamente uma realidade, o que há é o hiper-real. Segundo Baudrillard, o real é produzido a partir de memórias, matrizes e de modelos de comando, podendo ser reproduzido infinitamente.
O autor afirma, "Simular é fingir ter o que não se tem". No entanto, simular não é fingir. A simulação não pressupõe que se finja, apenas se passa a sentir os sintomas de uma doença real, ou seja, temos aí a doença simulada. A simulação não permite perceber o que é verdadeiro e o que é falso e o que é “real” e “imaginário”.
A imagem é o reflexo de uma realidade profunda/uma boa aparência, a imagem deforma uma realidade profunda, é uma má aparência. Por outro lado, a imagem disfarça a ausência de uma realidade profunda, isto é, finge ser uma aparência. A imagem não tem relação com qualquer realidade, é o seu próprio simulacro puro. A simulação atinge a sua fase máxima, o hiper-real, ou seja, diversas realidades coexistem como estratégia de dissuasão do real. Baudrillard sublinha que as imagens têm a propriedade de aniquilar o real e gerar o seu próprio real. Necessitamos de possuir um passado visível, um mito visível da origem para que possamos estar tranquilos em relação aos nossos fins. Afirma ainda que a Disneylândia não se trata de uma representação falsa da realidade mas sim de esconder que o real já não é o real, salvaguardando o princípio da realidade. O autor diz que o mundo se quer infantil para que os adultos pensem que estão no mundo “real”, e para esconder que “a verdadeira infantilidade está em toda a parte, é a dos próprios adultos que vêm fingir que são crianças para iludir a sua infantilidade real”.
Outrora tentava-se dissimular um escândalo, hoje em dia tenta-se esconder que ele não existe. Já não é possível a ilusão porque o real não é possível. Os acontecimentos hiper-reais já não contêm rigorosamente conteúdos ou fins próprios, mas estão indefinidamente refractados uns pelos outros. O que a sociedade procura ao produzir e reproduzir, é “ressuscitar o real que lhe escapa”. A produção material é ela própria hiper-real. Nenhuma sociedade sabe concretizar o seu trabalho de luto do real.
O poder à semelhança de uma outra mercadoria depende da produção e do consumo das massas. A análise ideológica tem como finalidade reconstituir o processo objectivo, pois é sempre um problema querer reinserir a verdade sob o simulacro. A filmagem exalta o insignificante: há um “gozo da visão microscópica que faz o real passar para o hiper-real”. Segundo Baudrillard esta é a fase futura da relação social, a nossa, a fase da dissuasão e não da percepção, na qual “Vocês são a informação, vocês são o social, vocês são o acontecimento, isto é convosco, vocês têm a palavra”.
Não há violência nem vigilância somente a informação, reacção em cadeia, uma implosão lenta e simulacros de espaços. O medium é inapreensível, difuso e difractado no real. É o fim do espaço perspectivo e panóptico. A televisão “olha-nos, manipula-nos, informa-nos…”. Quando a distinção entre os dois pólos tradicionais não é perceptível assiste-se à entrada na simulação, na “manipulação absoluta”, na indistinção do activo e do passivo”. Os pólos diferenciais implodem ou reciclam-se mutuamente.
A história que nos é contada hoje é uma neofiguração, isto é numa invocação da semelhança, mas ao mesmo tempo a prova de que os objectos desaparecem na “sua própria representação: hiper-real”. É o “brilho de uma hipersemelhança”, “figura vazia da semelhança, à forma vazia da representação”.
Jean Baudrillard invoca que não é coincidência que a televisão esteja justamente no local onde tudo acontece. A intrusão da televisão, faz surgir o incidente. Dá-se uma forma de catástrofe do sentido formal. A expectativa, a esperança é a implosão. A simulação é eficaz o real não. O suspense vence. A solução é: “(…) fazer acontecer a catástrofe”. A simulação “funciona como um incenerador que absorve toda a energia cultural devorando-a”. É uma máquina de produzir vazio. Materializa-se, absorve-se e aniquila-se. Tudo está em coma profundo. A cultura morreu. Foi elaborado um elogio à desconexão total, à hiper-realidade e à implosão da cultura. Quer-se animação, não reanimação. “São as próprias massas que põem fim à cultura de massas”. Tudo está previsto, já não existe alternativa, pois “o poder implode” e “é o seu modo actual de desaparecimento”. A violência implosiva “resulta já não da extensão de um sistema mas da sua saturação e da sua retracção”. Dá-se uma densificação desmedida do social. É-nos ininteligível, pois é indeterminada. Assim involuimos, regredimos. Procuram-se todas as respostas nos objectos. Eles interrogam-nos, testam-nos, intimidam-nos. Os Média funcionam da mesma maneira. É um universo de simulação, onde a limitação racional é contínua. Nasce uma nova morfogénese, a aglomeração face ao campo e à cidade. O hipermercado, como exemplo é um núcleo que gera uma órbita ao seu redor na qual se move a aglomeração. Estamos num universo em que existe cada vez mais informação e cada vez menos sentido. A informação é invadida por uma espécie de conteúdo fantasma, de transplantação homeopática, de sonho acordado da comunicação. É um processo circular entre a simulação e o hiper – real. Mais real do que o real. É assim que se anula o real. O autor sublinha que “Os Média são como instituição de um modelo irreversível de comunicação sem resposta”.
Defende que o “grau zero do sentido” acontece pela “absorção de todos os modos de expressão virtuais”, a razão é que a “publicidade é instantânea e instantaneamente esquecida”. É o triunfo da forma superficial. Não tem passado, nem futuro, por ser a última vence sobre todas as outras”. É uma linguagem de massas. Define a sociedade. Fala-nos de “uma cultura que se enterrou para escapar definitivamente à sua própria sombra”. Um holograma é a fantasia de captar a realidade ao vivo de forma contínua. É uma suspensão do real. Profundidade invertida, aura imaginária. Assim como o holograma, o clone é uma tentação inversa, fascínio inverso, fim da ilusão. É “imagem perfeita e fim imaginário”. Não existe real no fundo. A reprodução holográfica, já não é real, é hiper-real.
Baudrillard afirma existirem três categorias de simulacros: simulacros naturais, simulacros produtivos e simulacros de simulação. Já não podemos a partir do real construir o irreal, o imaginário a partir do real. O que tende a acontecer é exactamente o contrário: criam-se situações descentradas, modelos de simulação, reinventa-se o real como ficção, precisamente porque ele desapareceu da nossa vida. O que distingue Crash de toda a ficção científica, é que projecta no futuro as mesmas linhas de força e as mesmas finalidades do universo dito “normal”.
A ciência nunca está segura, por isso a experimentação não é “um meio para um fim, é um desafio e um suplício actuais”. O inconsciente “é o dispositivo logístico que permite pensar a loucura”. É o lugar da repetição indefinida do recalcamento e das fantasias do sujeito.
Nunca sabemos qual é o resto do outro. Podemos assim falar do resto como de um espelho, ou do espelho do resto. É que o sentido não existe. O resto é reversível e troca-se em si mesmo. Está em toda a parte e ao procurá-lo sem o encontrar, anula-se enquanto tal. Para o autor do livro, hoje faz-se do resto o problema crucial da humanidade.
Baudrillard conclui que “só uma patafísica dos simulacros pode fazer-nos sair da estratégia de simulação do sistema e do impasse de morte em que nos encerra”. “O universo da simulação é transreal e transfinito: já nenhuma prova de realidade lhe virá pôr fim – só o afundamento total e o deslizar do terreno, que continua a ser a nossa mais louca esperança”.

O sistema em que vivemos é niilista, no sentido em que tem o poder para reverter tudo, “inclusivamente o que nega, na indiferença”. O niilismo realizou-se inteiramente na simulação e na dissuasão. O fascínio é uma paixão niilista por excelência. A verdadeira revolução do século XIX é a “destruição radical das aparências, o desencantamento do mundo e o seu abandono à violência da interpretação e da história”. O autor do livro assume que já “não há esperança para o sentido”.

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