quarta-feira, 16 de junho de 2010

Refugiados


Às portas do Dia Mundial do Refugiado, abordamos o problema dos que continuam a fugir de casa, perseguidos e violentados, em risco de vida. Também em Portugal.


Texto Catarina Santos fotografia Dina Cristo


Desde o início do séc. XX o problema dos refugiados tornou-se numa preocupação da comunidade internacional, de modo que esta, devido a questões de humanização, começou a assumir responsabilidades na sua protecção e assistência.

O modelo da acção internacional a favor dos direitos dos refugiados ganhou forma pela Sociedade das Nações, mas só mais tarde adoptou acordos internacionais, nomeadamente na Convenção de 1951, relativa ao Estatuto dos Refugiados. Foi adoptada por uma Conferência das Nações Unidas de Plenipotenciários, em 28 de Julho daquele ano mas só entrou em vigor a 21 de Abril de 1954. Este instrumento internacional continha a definição geral das pessoas que deveriam ser consideradas como refugiados e do seu estatuto jurídico.
Posto isto, os refugiados passam a ser classificados por categorias conforme a sua origem nacional, o território que deixaram e a ausência de protecção diplomática por parte do país de origem. No seguimento desta lógica, surge o termo “refugiados estatutários” que determina as pessoas que, embora sendo pouco provável, possam pedir o reconhecimento do seu estatuto de refugiado. Hoje em dia o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, ACNUR, não só apoia e protege os refugiados e apátridas como também tem, cada vez mais, abrangido os deslocados internamente.

Refugiado (não) é...

Ser deslocado interno: apesar das razões serem as mesmas das dos refugiados, os deslocados internos não adquirem o estatuto de refugiado porque não deixaram o país de origem. É certo que também abandonaram as suas casas e, muitas vezes, perderam a família numa corrida pela vida. Seguem caminhos diferentes e acabam por ficar sozinhos, sem saber onde está o agregado familiar. Abandonam tudo porque, por exemplo, homens armados atacam as vilas onde moram, matando, roubando, violando e recrutando crianças soldado.
Os grupos rebeldes fazem com que os deslocados internos fujam mas estes não atravessam fronteiras. Por vezes, por causa de montanhas ou rios, que os impedem de rumar para mais longe; outras vezes querem fugir para perto na esperança de poder regressar.

Ser apátrida: apesar de parecer impossível, não o é. Ser apátrida é não ter Pátria, não se ser cidadão em nenhum Estado e, por isso, não ter um Governo que proteja. Como tal, é necessária a protecção internacional.

Ser requerente de asilo: para além das necessidades básicas como alimentos, água ou cuidados médicos, o refugiado necessita de obter asilo para refazer a sua vida. Porém, para tal, exige-se ser reconhecido como refugiado, ou seja, reunir as três condições: primeira, que no seu país de origem receava ser perseguido; segunda, que tem razões para esse receio e, finalmente, terceira, que na base dessa perseguição estava a sua raça, a sua nacionalidade, a sua filiação a determinado grupo social, a sua religião ou as suas opiniões políticas.

O processo continua junto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), ou outra autoridade policial que remeta para este local, onde é apresentado o pedido de asilo. É então que se torna “um requerente de asilo” e o Conselho Português para os Refugiados em Portugal e também o ACNUR (em Genebra), são alertados para este caso. Importa referir que, até esta fase, o requerente de asilo está ilegal (no país de acolhimento) como qualquer imigrante ilegal. A avaliação do pedido de asilo é feita pelo Ministério da Administração Interna e pode demorar de quatro meses a um ano (ou mais), dependendo de caso para caso.

Ser retornado: quando alguém é obrigado a fugir e a tornar-se refugiado, a sua prioridade passa a ser a tentativa de encontrar uma solução douradora para a sua situação. Nem que para tal tenha de procurar asilo num país estranho ou viver em condições precárias em campos de refugiados ou instituições criadas para esse efeito. O termo "retornado" indica que as pessoas regressaram ao seu país. Mas para tal acontecer, é necessário que as condições que originaram a fuga estejam totalmente solucionadas.

Há ainda confusão entre as definições de refugiados e imigrantes. Tal facto acontece, principalmente, porque as dificuldades de entrar num território seguro são cada vez mais, obrigando os refugiados a usar o mesmo método que os imigrantes ilegais. Assim surgem imensos fluxos mistos de migração que acabam por dificultar a distinção entre quem se encontra em dificuldade económica, e procura uma vida melhor num país mais desenvolvido, e entre quem vai à procura de liberdade e segurança. Posto isto compreende-se que o ACNUR afirme ser indispensável “criar mecanismos de acesso aos territórios e garantir que aqueles que têm efectivamente necessidade de protecção a encontrem.”


Ganhar consciência…


Desta forma, todas as pessoas que se sentem perseguidas - quer por motivos de raça, religião, nacionalidade, quer por pertença a certo grupo social ou por expressão de opiniões políticas - se encontram fora do seu país e que a ele não podem regressar sem arriscar prisão injusta, tortura, ou até a morte são, segundo as Nações Unidas, considerados refugiados.
Outras razões para que populações sejam obrigadas a fugir abandonando tudo, são as crises económicas ou até as tragédias naturais e ambientais. A Presidente da Direcção da Revista portuguesa da Amnistia Internacional, Lucília José Justino, adianta que: “Ao contrário do que se pensa, a maioria [das pessoas que estão nas situações acima referidas] não vai para a Europa, mas foge para os países mais próximos, normalmente, países pobres” e exemplifica dizendo que “(…) mais de 3 milhões de afegãos vivem no Paquistão e no Irão, mais de 1 milhão na Síria ou na Jordânia, mais de 1 milhão de zimbabueanos na África do Sul”.
Estas pessoas têm direito ao asilo, segundo a Convenção de 1951. Mas apesar desta concessão ser uma obrigação internacional dos Estados, a maioria dos refugiados muito dificilmente consegue ter condições de aceder à Europa e submeter o seu caso às autoridades. Desta forma, grande parte daqueles que vêem negado esse direito e são devolvidos aos seus países (ou impedidos de chegarem a bom porto), preferem sujeitar-se a “perder a vida na travessia, em barcos sem segurança e muitos morrem” . Para além disto estão sujeitos a passar grandes tormentos tais como a exploração, a descriminação, a ilegalidade, a prisão e a expulsão ou “a oportunidade de percorrer os imensos labirintos burocráticos montados”, sob o pretexto de os proteger, refere a mesma fonte.
Os Estados têm, naturalmente, de controlar as imigrações ilegais, de prevenir a segurança interna, de reprimir o crime internacional e ainda o tráfico de seres humanos, mas os “direitos humanos não podem ser violados em nome de xenofobia, da ignorância ou do medo”, afirma Lucília José Justino. Um exemplo a não seguir é a Itália de Berlusconi, em que o Parlamento aprovou um “pacote de segurança” que serve para que o Estado se esquive às suas obrigações internacionais, criminalizando a chamada imigração ilegal, incluindo a intervenção de milícias civis contra os “indesejáveis”.
Naquele caso, para além de multas (de cinco mil a dez mil euros), os indocumentados podem perder os direitos mais básicos, incluindo cuidados sociais, de saúde ou de educação”, afirma a Presidente da Direcção. Mas este comportamento é ainda evidente quando penaliza, acusando médicos de cumplicidade, caso não denunciem as situações de que tenham conhecimento no exercício das suas funções. Esta cumplicidade é também penalizada se se tratar de outras populações vulneráveis, tais como os ciganos.

Deveres portugueses

Em 2009 o tema do Dia Mundial foi: “Pessoas reais com necessidades reais”. Em declarações à agência Lusa, a Presidente da Direcção do Conselho Português para os Refugiados (CPR), Teresa Tito de Morais, afirmou que estas “vêm em busca de melhores condições de vida e nós temos de contribuir para lhes dizer que essa esperança não é ficção, é uma realidade que deve ser conseguida.” Mas o “espírito aberto e generoso” dos portugueses não é suficiente para combater as dificuldades, como referiu , “em termos legais e de oportunidades de trabalho ou acesso à habitação” pelas quais essas pessoas passam.
É nestas questões que o centro de acolhimento do CPR (que funciona na Bobadela, no concelho de Loures) ajuda no “acompanhamento próximo que lhes permita integrarem-se no nosso país” sendo que esta principal actividade passa por aulas de português, formação e encaminhamento para emprego, mas também para a legalização da situação de permanência no país, visto que são inúmeras as situações em que o regresso aos países de origem é sinónimo de morte. As pessoas que se encontram nestas condições podem beneficiar de “protecção humanitária” que é uma espécie de estatuto de refugiado provisório, sendo renovável a cada dois anos.
Para além destes, Portugal acolhe, desde 2006,refugiados em regime de reinstalação. Quer isto dizer que estas pessoas não podem ficar no primeiro país de acolhimento, sendo “redistribuídos” por outros países.
Também para Ângelo Ribeiro, um dos fundadores do CPR, Portugal tem tradição de acolhimento e considerando, essa, uma característica do povo, considera-o também “(…) compreensivo, hospitaleiro, simpático e humano para os que vêm de além fronteiras”. Estando Portugal integrado na União Europeia, o país subscreveu o Acordo de Schengen que visa "suprimir gradualmente os controlos nas fronteiras comuns e instaurar um regime de livre circulação para todos os nacionais dos Estados signatários, dos outros Estados da Comunidade ou de países terceiros". Assim, com a livre circulação de pessoas e bens, entre os membros da comunidade, se justifica o crescente número de candidatos a participantes.
Mas, para Ângelo Ribeiro, a oportunidade de asilo em Portugal parte, também, de “deveres especiais” que este país tem para com outros, nomeadamente, para com os de “expressão portuguesa”. Diz, “Se, outrora, [Portugal] retirou riquezas e poderio das antigas colónias de África e do Brasil terá de ter uma concepção humanista em relação a esses povos, dos quais retirou tanto rendimento e sacou riqueza durante séculos. Foram territórios que também souberam acolher os portugueses em várias ocasiões da nossa História. E é justo agora, como que uma reparação em relação ao que deles extraímos, mesmo que tenhamos dado algum contributo importante para o seu desenvolvimento. Mas a ideia de que milhões de portugueses, no decorrer das épocas, encontraram fortuna e prosperidade nessas terras, não pode nem deve ser desprezada.”
E apesar de Portugal ser um país de emigração, por razões económicas, políticas e religiosas, a verdade é que, Ângelo Ribeiro reconhece que, por vezes, é difícil distinguir o “direito ao asilo político, de asilo por razões humanitárias”. Refere que muitos dos candidatos a entrar em Portugal são “motivados por razões económicas”, por viverem mal nos países de origem, mas acrescenta que o asilo político, “e consequentemente estatuto de refugiado, só deve ser concedido àqueles que provêm de países totalitários, ou que vivem guerras civis, matando-se uns aos outros ou perseguidos pela polícia política, pelo partido único e pela censura – trilogia maldita que também os portugueses sofrem na pele.” Importa referir também que, para ser possível uma “visão humanística”, é necessário evitar a criação de um “sentimento de rejeição perante estrangeiros, que atinge exemplos de racismo e xenofobia” que, embora de forma subtil, ainda existe.
De acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, após um declínio no número de refugiados entre 2001 e 2005, verificou-se nos últimos dois anos um aumento significativo desta realidade. O relatório do ACNUR de 2007 aponta para um aumento de 9,9 para 11,4 milhões de refugiados sob o seu cuidado. Actualmente a agência fornece protecção ou ajuda a cerca de 13,7 milhões de refugiados, face aos 12,8 milhões registados em 2006.

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