Humberto Delgado
Faz, Sábado, 45 anos que desapareceu um homem que, em plena ditadura, ousou ser livre e desafiar o medo. Lembramo-lo hoje num texto lido aos microfones da Rádio Regional Sanjoanense, no programa "Espaço Boina Verde", da Associação de Pára-Quedistas das Terras de Santa Maria.
Texto Luís Andrade*
Humberto Delgado nasceu a 15 de Maio de 1906, na Aldeia de Boquilobo, perto de Torres Novas. Seguiu uma carreira militar e tornou-se num distinto e prestigiado General da Força Aérea Portuguesa. O destino perpetuou-lhe o nome de "General sem medo", fez do humanismo a base do seu comportamento e da sua filosofia.
Falar de Humberto Delgado é falar dos princípios da liberdade de pensamento; princípios esses, traduzidos no ponto de apoio da "alavanca" que devemos dirigir em proveito comum para a fortificação e progresso da Humanidade.
Foi politicamente um liberal democrata, fortemente influenciado pela cultura anglófona e pela sociedade americana.
Regendo-se pelo padrão do sentido do dever, toma a posição cívica em defesa dos mais fracos e dos mais oprimidos, contra a ditadura, pela defesa da liberdade de expressão.
O desprezo pela deslealdade entre os homens era um dos traços mais salientes e constantes do seu carácter incorruptível ancorado no seu cunho de valor moral e patriótico.
Ao longo da sua vida, nunca deixaria de associar a integridade e a coragem à virilidade, materializando-se no seu elevado grau de princípios.
Homem bom, dotado de fina e judiciosa integridade, sempre pautou a sua conduta pelos valores da nobreza de carácter, da coerência de ideias e da vontade de ser útil à sociedade, assumindo fortemente posições intransigentes na defesa do livre pensamento.
Auto-fidelidade
Corporizou o principal movimento de tentativa de derrube da ditadura através de eleições, tornou-se no homem que mais multidões congregou durante o regime salazarista.
De total frontalidade, dizia sempre o que pensava fosse a quem fosse. Numa famosa entrevista, um determinado jornalista pergunta-lhe que postura tomaria face ao Presidente do Conselho de Ministros, caso vencesse as eleições. Sem hesitar e fazendo ponto de honra à sua mais pura e legítima liberdade de pensamento, responde: "obviamente demito-o".
Foi a frase de declaração de guerra ao regime, reveladora de uma atitude indiscutivelmente corajosa.
Corria o ano 1958 e com ele as eleições presidenciais, que o levariam à derrota, graças à gigantesca fraude eleitoral montada pelo regime de então.
Sequência dessa derrota, vítima de represálias por parte da polícia política, pede asilo político ao Brasil, seguindo depois para a Argélia.
Nesse contexto, foi atraído a uma tramóia maquiavélica, previamente preparada, que resultou na sua morte às mãos da PIDE, no fatídico dia 13 de Fevereiro de 1965, na fronteira de Espanha, nos arredores de Olivença.
A luta que encetou até ao dia em que foi morto, reflecte-se na sua famosa frase: "estou pronto para morrer pela liberdade".
Coragem de ser livre
Foi um acérrimo combatente, indomável pela liberdade do seu País, a quem doou a sua própria vida.
O seu exemplo, leva-nos a personificar a ideia de que todas as derrotas são vitórias, uma vez que quando se morre por um ideal, vence-se sempre. Sensibiliza-nos ainda para o facto de que, sem memória, não existe história, assim como sem história, não existe memória.
A força e a coragem que empreendeu pela liberdade, pelo desenvolvimento e pela dignificação do nosso País, fez dele um cidadão que, sem hesitação, sempre sacrificou os seus interesses, aos ideais de uma sociedade mais justa e ao bem-estar do semelhante. Apostou sempre na mudança e na transformação da sociedade, num tempo em que, como sabemos, discordar era crime.
Presenteou-nos ainda com a "lição", de que o mundo gira à volta de dois grandes sentimentos: a vontade e o medo. A vontade, leva-nos a alcançar os objectivos traçados em consciência com o nosso livre pensamento, enquanto que o medo consentido dá a cobardia, ao contrário do medo vencido que nos dá a coragem.
Reflexo do seu glorioso exemplo, que nos deixou, e da "lufada de ar fresco que injectou" na sociedade portuguesa, tornou-se num verdadeiro precursor do 25 de Abril de 1974. Defendeu que a ditadura só cairia através da acção militar, o que viria a ser protagonizada pelas Forças Armadas, apoiadas pelo povo, o que aconteceu de facto nove anos após o seu assassinato.
Memória exemplar
Em 1990, esse grande vulto da democracia da nossa história contemporânea foi nomeado, a título póstumo, Marechal da Força Aérea e os seus restos mortais trasladados para o Panteão Nacional.
Humberto Delgado tornou-se numa das figuras mais marcantes do século XX, deixou o patriotismo aliado ao livre pensamento como traço marcante da sua personalidade. Pensamento esse, que sempre esteve no seu espírito e manteve muito bem guardado no âmago do seu coração. Assim seja acrisolado e herdado pelas novas gerações, por se tornar no bem mais precioso que a alma da democracia pode almejar.
Torna-se desta forma determinante, para que os princípios da liberdade, igualdade e fraternidade sejam respeitados à luz da declaração universal dos direitos do homem.
Considerado um dos "pais" da nossa liberdade, e um mártir da resistência portuguesa, depois de morto ainda consegue mexer e, ao mesmo tempo, incomodar algumas mentes mais conservadoras.
Perpetuar a memória de Humberto Delgado é manter bem vivo o seu exemplo como homem, como cidadão e como lutador. De rara e forte coragem que, apesar de humilhado e perseguido, nada impediu de defender a excelência das suas convicções, e consequentemente as reformas sociais para a dignificação do ser humano.
Ficam aqui bem patentes e espelhadas as grandes virtudes no exemplo que esta gloriosa e ilustre figura Universal, nos deixou para a prosperidade; assim fica o seu merecido e honroso lugar na história.
Resta-nos agora saber honrar a sua memória, a sua coragem, a sua entrega às causas públicas e o amor à liberdade e à Pátria.
*Delegado da Fundação Humberto Delgado, Pára-quedista da Força Aérea Portuguesa e Sargento-Chefe da Guarda Nacional Republicana.
Etiquetas: Humberto Delgado, Luís Andrade, Perfil
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