Arruinamo-la?

Depois do Dia Nacional dos Castelos, ontem, divulgamos o caso de uma torre de defesa, a oito quilómetros de Coimbra. Tem quase um milénio e, dividida entre a responsabilidade de diversas autoridades, ameaça ruir. Uma reportagem realizada há quatro anos pelo autor no nosso logotipo. Descubra as diferenças.
Texto e fotografia Bruno Ferreira
«Quatro ruazinhas floridas e uma torre. À volta desdobram-se as colinas e os montes». É à simplicidade destas palavras que Margarida Ribeiro, autora do livro Torre de Bera, reduz esta pequena aldeia da freguesia de Almalaguês. Situada a oito quilómetros de Coimbra, Torre de Bera mantém há quase um milénio o ex-libris que lhe deu o nome: uma torre de defesa.
«Quatro ruazinhas floridas e uma torre. À volta desdobram-se as colinas e os montes». É à simplicidade destas palavras que Margarida Ribeiro, autora do livro Torre de Bera, reduz esta pequena aldeia da freguesia de Almalaguês. Situada a oito quilómetros de Coimbra, Torre de Bera mantém há quase um milénio o ex-libris que lhe deu o nome: uma torre de defesa.
A aldeia é pacata e tipicamente coimbrã. O seu tipicismo valeu-lhe a representação da Beira Litoral no famigerado concurso de 1938, Aldeia mais portuguesa de Portugal. Disputou arduamente o primeiro lugar com a de Monsanto, conseguindo a menção honrosa de segunda aldeia mais portuguesa de Portugal.
O desenvolvimento desfigurou a terra que hoje se esforça para reaver o tipicismo do passado.
Torre de defesa
Embora não haja concordância relativamente ao século exacto da sua edificação, autores como António Nogueira Gonçalves (criador do Inventário Artístico de Portugal: distrito de Coimbra, 1952) pensam que a torre «deve pertencer historicamente à época dos condes e aos princípios do século XII». Por sua vez, o Instituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR), após ter encontrado algum material romano no local, reconhece que a construção da atalaia «parece apontar para uma cronologia ligeiramente recuada, muito provavelmente em pleno século X», há 1000 anos.
Acredita-se ter sido construída por populares para o refúgio dos senhores e que faria parte da linha de defesa do sul de Coimbra, ao longo do Rio Dueça, que compreende a edificação de torres semelhantes em Castelo Viegas, Monforte, Sr.ª da Alegria (na freguesia de Alamalguês) e a comunicação com as grandes construções de Coimbra, Miranda do Corvo e Penela.
Da grandiosidade de outrora restam apenas duas paredes, a de sul e poente, e não há escritos anteriores à queda do ângulo noroeste.
Se há bem poucos anos os populares se juntavam para limpar os acessos à torre, as imposições dos novos tempos retiraram a possibilidade de realizar essa tarefa.
Em 1995, a vigia foi entregue ao IPPAR que hoje tem a sua tutela, tendo em 2003 proposto à Câmara Municipal de Coimbra a sua classificação como «imóvel de interesse municipal» de acordo com um despacho assinado pelo Engenheiro Carlos dos Santos Rodrigues (director da Direcção Regional de Coimbra do IPPAR).
Mudanças
Alterações visíveis de 1995 até hoje, só para pior e operadas pelo tempo. Mesmo os responsáveis pela Casa Municipal da Cultura de Coimbra não são capazes de responder se a torre é ou não um edifício de interesse municipal, embora a Presidente da Junta de Freguesia de Almalaguês, Ângela Fonseca, em entrevista, tenha garantido que sim.
Embora a responsável tenha revelado ao Jornal de Notícias a «vontade grande, de muita gente com responsabilidade, para avançar com a reabilitação da aldeia, que é um caso ímpar de beleza, na região e no país», a verdade é que os populares, como Luzia dos Santos, em entrevista, consideram que «a torre de defesa foi abandonada por quem de direito».
Em 1996, a Junta de Freguesia de Almalaguês pediu ao IPPAR uma vistoria à atalaia no sentido de serem tomadas «as previdências necessárias à sua preservação», segundo o despacho do IPPAR para a Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN). As conclusões da vistoria foram as mesmas que António Nogueira Gonçalves havia chegado 50 anos antes quando, em 1949, escreveu o artigo «A torre de Bera” para o Diário de Coimbra: «verificou-se que o imóvel se encontra em ruínas, restando de pé praticamente só dois paramentos de paredes, e mesmo esses em muito mau estado de conservação». Mais à frente, o mesmo despacho mostra que as «paredes apresentam várias patologias como sejam fissuração, fenduração e destacamento de conjuntos de blocos nos paramentos». Este despacho indica também um plano de acção a seguir para a conservação do que resta do edifício, embora seja visível que tal plano não foi sequer posto em prática.
Já em 1949, António Nogueira Gonçalves alertava para o facto de «a ruína total estar eminente», criticando também as entidades competentes. O autor dizia que os técnicos que podem fazer alguma coisa não têm cultura para dar «valor à modesta torre» e que aos seus olhos ela «não passará de quatro paredes mal feitas». Chega mesmo a concluir o seu artigo no Diário de Coimbra, dizendo que este serve de «elogio fúnebre, se de salvação não lhe puder ser».
É curioso que o IPPAR, hoje, para caracterizar o estado da velha torre, cite António Gonçalves. Isso mostra que volvidos mais de meio século, não se fez rigorosamente nada e a torre de defesa, que enche de orgulho Torre de Bera, está, a cada dia que passa, a caminhar para o fim, sem que ninguém de direito faça alguma coisa para o evitar.
Casa Municipal da Cultura de Coimbra, Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, IPPAR, Junta de Freguesia de Almalaguês são algumas das instituições onde se pode obter informação acerca desta torre, mas o mais extraordinário é que não consegui apurar quais as responsabilidades de cada uma e, entretanto, o trabalho prático continua por fazer.
Etiquetas: Arruinamo-la?, Bruno Ferreira, Cultura
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