quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Agiotagem

E agoram que a crise financeira já nos bate à porta, recordamos uma canção de 2003, “Eis aqui o agiota”, com letra, música e interpretação de Fausto (Bordalo Dias), que completa, no final deste mês, 60 anos.

«eis aqui o agiota
eis ali a agiotagem
de novo mergulho na Luz do
astro da música
a minha cabeça
de novo à procura daquela
melodia que teima
em nascer às avessas
se ribomba no contrapasso
e se já cruza o ciberespaço
então
cuida de ti usuário
na zona escura do erário
e da folia financeira
do teu corpo fundo
e mais anónimo
à volta do mundo
atravessando fronteiras
esvoaçam
à tua volta esvoaçam
taxas de juros e câmbios
de cambistas e banqueiros
títulos e dívidas
contraseguros
visões garridas
malabaristas
e oníricas
do dinheiro
II a minha guitarra não toca
para ti
a minha guitarra rosna
obeso e rebarbativo alardeando
a engorda
o teu figurino
obesa a corruptela que mais
disfarça e transforma
selvagens capitalismos
em brandos neoliberalismos
o mais doce dos eufemismos
e então
tu provas na perfeição
que geres com o teu cifrão
a infelicidade dos outros
reduzes um drama
o do maior desemprego
à percentagem de uns poucos
encurralados
os mais jovens encurralados
em becos rasos de seringas
ontrafeitos mercadores
em praças e ruas
ruelas e avenidas
envergonhadas
e mais anuladas
as mãos estendidas
de arrumadores
III morreu a proletária ditadura
a ditadura do mercado já
nasceu
se cada vez menos produzem
mais para a maior minoria
toda a riqueza
se cada vez menos para a
imensa maioria sobram
sobras que te caem da mesa
da guerrilha dos capitais
em doces paraísos fiscais
então
cuida de ti argentário
o que retrata este sudário
é a maior parte do mundo
que sobrevive na penumbra
de olhos postos em ti
moribundo
mas que te olha já defunto
e enches a boca
de direitos humanos
enches a boca
da fala
do pensamento
mas o do trabalho nunca
e porque será
que esse direito
no esquecimento fica
se crucifica
mais
se abdica
mas fica a pergunta
IV Keynes
ao pé de ti
e arrumado a um canto
é a alegoria
ou o retrato de um santo»

Etiquetas: ,