Dinâmica radiofónica
Nesta quinta e última parte da entrevista, Etelvina Lopes de Almeida recorda as qualidades da oposição e as vantagens da rádio.
Entrevista Virgílio Luís Silva
Existe uma referência no final da década de 50, que tem a ver com o conto da cadeira. Salazar caiu mesmo da cadeira onde esta sentado?
Acho que sim. Ela já não estava muito bem.
Foi isso que deu origem ao conto?
Eu acho que o que deu origem deve ter sido uma trombose, uma coisa assim que lhe deu e o fez cair.
Já em 1960, para além da Sociedade Portuguesa ter sido marcada pela guerra de África, os movimentos que existiram, por exemplo na música, na Inglaterra, com os Beatles.
Foram entusiasticamente recebidos cá. Era qualquer coisa de liberdade que chegava aqui.
Como é que a Censura via isso na rádio? Deixavam-vos passar essas músicas?
A gente passava. Não estavam censurados.
Não percebiam inglês?
Não percebiam inglês! O problema está nisso. Porque razão a oposição não foi destruída? Porque a oposição usava a inteligência e usava a cultura, e eles usavam a força. O problema é este.
Há uma coisa que eu tenho de lhe dizer, não sei se lhe interessa, pode interessar para a rádio também porque se fizeram palestras, fizeram-se folhetins e isso tudo.
Houve a certa altura, no final da Guerra de Espanha, uma abertura intelectual em Portugal, com livros que vinham de fora, clandestinos. E também livros que se estavam a editar em Portugal, que se vendiam por debaixo do balcão. Sabe o que significa esta frase, por debaixo do balcão? Eram livros expostos, mas que eu sabia que uma determinada livraria, sabe é o Tam Tam, estava a editar um livro e chegava lá e dizia que estava interessada no livro. Depois passava pela livraria, punha o dinheiro em cima do balcão, ia aos fundos e davam-me o livro. Ora, eu recebia livros através de um amola tesouras que mos trazia de França e de Espanha e assim chegavam a minha casa. Um livro sensacional, que teve uma repercussão espantosa em Portugal, chamava-se “O drama de Jean Barois, você leu alguma vez? Eu recomendo-lhe vivamente. É um livro desta época, mas é um livro sensacional - Roger Martin Du Gard.
Vieram livros, por exemplo com a 24ª Hora do Steinbeck e veio Jorge Amado. Teve uma influência extraordinária. Foi proibido aqui “Os Capitães da Areia”, foi proibido “O Mar Morto”, foi proibido, no entanto a gente recebia os livros, tinha 24 horas para o ler e para passar a outro. Isto trouxe à oposição uma ânsia de cultura do que se passava nos outros países, que nos enriquecia. Não andávamos de bandeirinha na mão como hoje. Hoje não se faz oposição nenhuma, porque as pessoas não se preparam em ideias. Mas nós naquela altura preparávamos as nossas ideias. Nós sabíamos porque é que estávamos a lutar. E então em Portugal tivemos o Soeiro Pereira Gomes, o Alves Redol, o Manuel da Fonseca.
Esses escritores escreviam e os livros eram editados quase clandestinamente ?
Clandestinamente? Muitas vezes eram apreendidos. É por isso que nós íamos buscar o livro, antes da Censura saber que ele estava cá fora. É isso que se chama por debaixo do balcão.
Essa importância, essa linha de orientação, com aquelas músicas e os respectivos movimentos musicais dos anos 50 e 60, isso foi dando uma abertura cada vez maior à cultura portuguesa, não só pelos livros, mas também pela música.
Em todo o caso eu devo dizer-lhe que a música de uma maneira geral tocava a juventude que sabia inglês, os livros tocavam outra área, de pessoas já mais conscientes, já mais preparadas para a luta democrática, digamos assim.
A D. Etelvina acha que na década de 60, com esse advento da música e os movimentos jovens característicos da época, com a miniaturização dos equipamentos permitindo o seu transporte, acha, que com tudo isso, a rádio foi perdendo peso?
Eu acho que a rádio ainda hoje não perdeu o seu lugar. Fui uma pessoa de rádio, continuo a ser uma pessoa de rádio, continuo a dizer que a televisão não destruiu a rádio. A rádio continua a ser a rainha da informação enquanto ela for correcta. Eu vou-lhe dar um exemplo. Eu estou em casa a ouvir um noticiário da TV, mas eu não posso ouvir o noticiário da TV enquanto vou daqui para Tábua. Com a rádio durante a viagem vou mudando de canal e vou ouvindo os noticiários consoante o canal. Portanto a TV obrigou-nos a uma posição estática. A rádio continua a permitir-nos dinâmica.
Mas quando a televisão aparece em Portugal em 1957, acha que a rádio possa ter perdido alguma influência com a televisão como elemento de novidade?
Sim, isso evidentemente. Houve muitas pessoas que acharam que a televisão era o supra-sumo.
Mas D. Etelvina, eu não estive em 1957, como bem pode imaginar, na Feira Popular para assistir à primeira emissão da televisão. Estou a imaginar o que terá sido, e estou também a imaginar o que terá sido também no Porto a emissão experimental que aí decorreu.
Foi o que terá sido uma coisa nova que chega. O cometa que está no ar agora. É isso!
As pessoas ficaram deslumbradas com aquilo tudo, mas evidentemente terminado o programa sente-se o vazio. Ao passo que a rádio estava lá. É contínua. Agora, tudo depende daquilo que a gente dá às pessoas. Eu por exemplo, sou incapaz de ver “A Noite da Má-língua”, sou incapaz de ver aquele programa que é o “Confissões”, da Teresa Guilherme, não posso, o meu cérebro não admite aquilo. No entanto gosto imenso de ver o Miguel Sousa Tavares, acho que ele tem uma inteligência extraordinária. Gosto imenso dele. Gosto muito da mulher dele (Laurinda Alves), que tem também um programa muito bom e sou capaz de ver um “Rei do gado” porque está muito bem feito. Está muito bem feito e tem até conteúdo revolucionário, muito bem dado, assim como quem não quer a coisa. Até se mata um senador. Portanto, um programa que tenha conteúdo, que tenha texto, que tenha actores, que me interesse, eu vejo. Agora não perco o meu tempo a olhar para o ecrã com uma coisa que é negativa quando tenho um rádio que me dá pelo menos música. É por isso que eu continuo a ser uma mulher de rádio.
No final dos anos 60, em 68 existiram problemas em França com os estudantes. Como é que isso foi visto cá pela rádio?
Isto foi feito cá pela grande esperança. Pela grande esperança da oposição. Porque estávamos na altura da guerra de África. Portanto as coisas todas... Nós tínhamos passado a guerra de Espanha que havia sido um caminho onde se desenvolveram as experiências para a Segunda Grande Guerra. Isso aprendemos nós. Ficamos com a marca do fascismo italiano e do hitlerismo alemão, ficamos com a mocidade portuguesa que foi feita à semelhança das hostes do Hitler. Foram pessoas lá, de cá do governo, estudar a maneira de como é que se faziam as juventudes hitlerianas e depois vieram para cá e copiaram. Houve muita gente, muitas famílias que não quiseram que os seus filhos fossem. Por isso os miúdos foram castigados e depois a oposição quando viu o “S” de Salazar na fivela dos cintos, fizeram anedotas e dizia-se a propósito “Somos Socialistas Sem Salazar Saber”. Estas coisas, percebe, é que era. Fazer revolução com um sorriso é muita mais útil que à pancadaria.
O cinema, nesta altura dá um contributo à rádio. O Arthur Duarte e os outros. O desporto na rádio acaba por ser importante.
Nessa altura também se dizia que a nossa vida era desporto, Fátima e outra coisa ... agora não me lembro. O que se dizia Deus, Pátria e Família, numa vertente, também se dizia Desporto, Fátima e... Bem não sei, não me lembro já.
As reportagens de Fátima também marcaram a rádio nos anos 50. Dá-me a sensação que os anos 50 são marcados pelas reportagens de Fátima, pelo Desporto, e prova disso é o “Leão da Estrela” do Arthur Duarte. Aliás o cinema português teve essas particularidades. Quando a rádio começa a aparecer em Portugal o fenómeno é transposto para o cinema “O Pátio das Cantigas”, “A Menina da Rádio”, “O Leão da Estrela” e outros.
Havia muita gente apaixonada, tinham de ir, toda a gente tinha de cantar na rádio, como agora toda a gente quer ir para a “Chuva de Estrelas”. É a mesma coisa. O fenómeno é o mesmo.
A imagem que tenho da rádio, e pode ser uma imagem totalmente errada da minha parte, é de que a rádio até 1950 em muitos programas era feita com recurso a orquestra, coro e com o locutor a servir de ponte entre os elementos da programação.
Os programas directos. Só os programas directos. Na altura já existia a hipótese de se montar os programas. Os directos eram assim. Eu fiz muitos assim na Rádio Renascença.
Como é que a rádio noticiou alguns avanços da ciência e da medicina, como foi por exemplo a descoberta da vacina da poliomielite, o aparecimento da pílula contraceptiva, da descoberta da cortizona.
Da pílula nada. Não se podia falar nisso. Da vacina da poliomielite dava-se a notícia, quando muito entrevistava-se o cientista. São notícias, como agora dão as notícias da SIDA. Só que com a SIDA nós vamos saber mais, vamos saber onde estão as pessoas, vamos fazer as imagens. Ainda no outro dia vi uma coisa horrível. Na América para apanharem um homem com SIDA, lançaram um jacto de água para o conseguirem prender. Acho horrível. Essas imagens de TV, acho horríveis. Você repare uma coisa. A TV desde que começa até que acaba um noticiário é tudo mau. Você já tinha reparado nisso?
Mas repare. Tudo o que está a acontecer com a polícia, com a sociedade, tem significado. Tem o significado de desautorizar a polícia. Ora enfim, eu fui educada desde pequena, que quando tivesse um problema qualquer na rua me dirigisse a um polícia, porque o polícia era o homem que me defendia. Agora nós não podemos ter essa ideia.
Sra. D. Etelvina, muito obrigado pela sua ajuda.
Disponha sempre.
Etiquetas: Dinâmica radiofónica, Entrevista, Virgílio Luís Silva
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