Desejo de eternidade
Depois do Dia de Finados, em memória de todos os que morreram, divulgamos uma entrevista, originalmente publicada na “Notícias Magazine”*, em 2005, a José Manuel Anacleto.
Este investigador formou-se em Direito e estuda há mais de 20 anos as grandes tradições filosóficas e religiosas do mundo. Não se considera crente, nem seguidor de nenhuma religião em particular e, no entanto, admite ser «intimamente religioso, tão cristão, quanto budista, hinduísta, tauista, zoroastrista...». Preside o Centro Lusitano de Unificação Cultural e é autor dos livros «Espírito: Ciência ou Ilusão?» e «Transcendência ou Imanência de Deus», entre outros títulos.
Apesar de todas as diferenças, algo parece ser universal no ser humano - a vontade de existir para além da morte. Uma certeza que todas as religiões postulam e que nem a filosofia nem a ciência conseguem negar. Todas afirmam «uma plenitude», garante José Manuel Anacleto, «seja da matéria, seja do espírito, seja, em suma, do ser», que nos abre as portas para a eternidade. Antes de nos interrogarmos se a morte é o fim, este investigador repõe a dúvida dos antigos gregos, egípcios e hindus: será que tivemos mesmo um início? Seremos feitos da «substância» da eternidade? Ponha de parte os preconceitos e pondere as explicações...
A ciência não responde à grande interrogação da morte. É por isso que procuramos a religião? Em busca das respostas que não encontramos?
É preciso ter em conta que a ciência, tal como a entendemos, tem 4-5 séculos, é uma aventura demasiado recente na história da humanidade e a busca religiosa é muitíssimo mais antiga e, portanto, não surgiu como uma procura para os vazios que a ciência moderna não preenche. Para quem assume uma postura mais reflexiva, o questionamento religioso nasce do deslumbramento perante a grandeza e o mistério do universo. A interrogação basilar - porque é que há o universo? e porque não existe o nada? - tem ocupado as mentes mais reflectidas de todos os tempos. Mas para o comum das pessoas, o questionamento é outro: até que ponto posso ser beneficiado pelas forças superiores, até que ponto esses poderes podem olhar-me de uma forma que me favoreça.
Agora e depois da morte...
Nesta nossa sociedade moderna e consumista, a maior parte das pessoas, pelo menos até chegar a uma idade mais avançada, raramente se interroga sobre a morte, é cansativo e demasiado incómodo pensar nisso. A religião é, sobretudo, encarada como uma espécie de seguro ou de contrato com vagos e hipotéticos poderes superiores, em que a manifestação de adesão a determinada igreja e o cumprimento de práticas mínimas, trariam uma protecção para as coisas imediatas da vida quotidiana. É a tentativa de «comércio» com o sagrado.
Habitualmente «herdamos» a religião da nossa família. Nem sempre escolhemos as nossas convicções religiosas?
A adesão a uma religião em particular, na grande maioria dos casos, não radica de uma escolha consciente e deliberada. Por isso em Portugal cerca de 90% das pessoas afirmam ser católicas, na Argélia quase 100% segue o Islão ou na Índia a grande maioria segue o que impropriamente chamamos de hinduísmo (e que eles chamam Sanatana Dharma - a religião eterna). A nossa apetência religiosa, não sendo reflectida, é imediatamente canalizada para a tradição predominante no país, na região ou no meio sociofamiliar em que nos inserimos.
Mas para muitas pessoas a busca religiosa não tem sentido.
Há quem se defina como ateu ou agnóstico – duas posições distintas, apesar de muitas vezes serem confundidas. O agnóstico autêntico questiona intensamente a natureza do ser e do universo e conclui que não tem certezas. O que é muito diferente das crenças pela positiva ou pela negativa, das pessoas que dizem eu acredito sem saberem muito bem no quê ou daquelas que dizem eu não acredito, desconhecendo também a que se referem quando afirmam não acreditar. Muitos ateus acabam por ser crentes, pela negativa.
Ao longo dos tempos, em todas as culturas, encontramos o culto do divino e dos mortos. Não aceitamos ser mortais?
Parece que não. Há um «sentimento inato» no ser humano que recusa aceitar a ideia de um fim. Se repararmos bem, nós também não temos a ideia de um início, a nossa existência é um dado adquirido. Não nos lembramos do primeiro momento, do primeiro pensamento, da primeira sensação, não temos qualquer memória da primeira vez, do primeiro instante... Temos a noção de que a existência é algo de sempre e para sempre. A religiosidade ocidental afirma que somos eternos, mas apenas num dos sentidos, isto é, sustenta que não teremos fim. Defende, no entanto, que tivemos um início, visto que somos obra de uma divindade criadora. Mas esta ideia de criação não resiste a um exame mais profundo. Nas filosofias mais antigas e profundas do oriente não há tal coisa como um ser criador e um ser criado - todos nós partilhamos um absoluto ou divino e não teremos fim precisamente porque não tivemos início. Essa será a verdadeira eternidade. Encontramos esta concepção, por exemplo, na Vedanta e no Advaitismo na Índia, e de um modo geral, em todo o pensamento antigo, dito pagão.
Queremos sempre deixar marcas da nossa existência, através de um filho, de uma obra... Temos pavor ao nada?
A ideia do nada é insustentável, por mais que queiramos, não conseguimos imaginar o nada. Se tentarmos «tirar o mundo ao mundo», como dizia Fernando Pessoa, algo parece sempre restar, nem que seja um espaço vazio e isso já é alguma coisa. Não pode haver um nada absoluto. E do ponto de vista individual, a noção de nada não só de algum modo nos horroriza, como nos parece inverosímil. A nossa existência é um contínuo, em que não há momentos de vazio ou de nada. Daí a nossa dificuldade em aceitar a morte como um salto para o vácuo.
Do ponto de vista da ciência, continuamos a ser matéria em transformação... «Nada se perde, tudo se transforma», diz a famosa lei da física.
A espiritualidade mais profunda e a ciência, mesmo a mais materialista, afirmam uma plenitude que perdura – seja da matéria, no caso da ciência, seja do espírito, no caso dos que têm uma perspectiva espiritualista, seja do ser (que é simultaneamente espírito e substância), na perspectiva da antiga tradição que perpassa todas as grandes religiões e filosofias. Portanto, não há fim de um ponto de vista espiritualista, como não há fim do ponto de vista materialista, e ambos à sua maneira afirmam a eternidade de algo.
A mesma raiz?
As religiões apontam caminhos diferentes para o além morte. Há algum trilho comum?
Estudos comparativos mostram que há uma base comum a todas as grandes religiões e tradições filosóficas. Se as situarmos historicamente, podemos ver como vão surgindo desdobradamente, umas de dentro de outras, com uma continuidade entre si e não como revelações únicas, que nada tenham a ver com o que está para trás. O problema é que durante séculos olhámos para o pensamento antigo e para as outras civilizações com os preconcebidos do Cristianismo, havendo graves distorções, por exemplo, na tradução de textos antigos, pondo povos que não tinham uma concepção monoteísta a falar de uma criação à maneira cristã... Mas se o cristianismo tem 2000 anos, o budismo tem 2500 anos, o tauismo outros tantos e o hinduísmo muitos milhares de anos.
As concepções orientais são muito diferentes das ocidentais. Em que aspectos?
O pensamento oriental está imbuído da ideia das vidas sucessivas. Cada morte é um momento importante mas é apenas um de muitos momentos, por haver uma pluralidade de existências. Não é assim no cristianismo, no islamismo e, até certo ponto, no judaísmo, em que se entende que temos apenas uma existência neste mundo e, portanto, a morte, quer ocorra aos 70 anos, quer ocorra segundos depois de termos nascido, é um momento único e radical, a partir do qual ficará determinada toda a nossa existência na eternidade. Se porventura, vivermos apenas 15 anos, esses 15 anos determinarão se teremos uma existência eterna de felicidade ou, pelo contrário, de condenação ao sofrimento ou, no mínimo, de privação da alegria. A hipótese reencarnacionista concede não uma mas inúmeras oportunidades de aperfeiçoamento humano.
Hipótese estranha ou sem sentido para muitas pessoas.
Ainda a olhamos com estranheza mas a ideia da reencarnação tem vindo a ser progressivamente encarada como plausível no ocidente. Se há cem anos atrás eram muito poucos os que davam atenção ao assunto, hoje já não é assim. A ideia popularizou-se embora de uma maneira confusa - encontramos as concepções mais díspares e tantas vezes insustentáveis sobre a reencarnação.
Como a de voltarmos à Terra no corpo de um animal...
Essa é uma concepção equivocada. Podemos «animalizarmo-nos» no sentido psicológico mas não no sentido literal e formal da palavra - isso foi muito bem explicado pelo grande filósofo neoplatónico Proclo, ao comentar um texto de Platão. Os antigos, como ainda hoje os orientais, sempre utilizaram uma linguagem muito simbólica, rica em imagens. Uma interpretação literal entraria em contradição com as leis da evolução e da hierarquia, que são basilares.
A ideia da reencarnação está presente em tudo?
Olhando à nossa volta, tudo é cíclico. É curioso que em obras de divulgação científica já se questiona se este universo, se este cosmos que conhecemos, não será apenas um numa longa série, numa sucessão de diferentes cosmos. E de facto a sucessão dos dias e das noites, dos movimentos das marés, das estações do ano, dos nossos movimentos respiratórios de inspiração e expiração... tudo isso evidencia a ideia de uma existência cíclica, que subjaz à teoria da pluralidade das existências ou reencarnação. O cristianismo nos primeiros séculos, em consonância com o pensamento da época, também considerava a hipótese da reencarnação, o que é visível em várias passagens da Bíblia. Só a partir do século VI, no 2º Concílio de Constantinopla, é que a Igreja Cristã considerou definitivamente herética esta posição ao rejeitar as célebres Teses de Orígenes. Até aí, era admitida por muitos cristãos.
Rituais de despedida
Para que servem os rituais funerários?
Podemos ver a sua importância de dois pontos de vista. Na perspectiva de quem fica, é um catalisador e, ao mesmo tempo, um meio de exorcizar o medo que a morte provoca na generalidade das pessoas. Os rituais religiosos reúnem a grande emoção suscitada por se assistir à morte de alguém que nos é particularmente querido, balizam essa emoção e de algum modo vão sublimá-la, ao referenciarem um caminho espiritual que irá ser percorrido por quem partiu e no qual, até certo ponto, podemos intervir dirigindo-lhe orações e pensamentos favoráveis.
E na perspectiva de quem partiu?
Na cultura tibetana, no antigo Egipto e também na cultura hindu, existem obras que descrevem pormenorizadamente (e com notável similitude entre si) os passos que se sucedem a seguir à morte, e todas falam na enorme importância dos últimos pensamentos daquele que morre e do ambiente que o rodeia nesses instantes finais. A sua existência futura será, em grande medida, determinada pela qualidade dos últimos pensamentos, que representam uma síntese da qualidade de todos os pensamentos, sentimentos e acções... de uma vida que ficou para trás. Para um tibetano ou um hindu, é ainda mais penoso morrer num contexto hospitalar.
Os rituais também diferem muito consoante as religiões e tradições.
Por exemplo, os rituais hindus são muito mais complexos, as cerimónias podem demorar 12 dias, usa-se o sari branco e o costume é a cremação, o que corresponde, entre muitos outros aspectos, à sua visão relativizadora do corpo e do mundo físico. Para nós ocidentais, a morte é vista como algo pavoroso, como uma desgraça, como um mal a que não nos podemos furtar, e na prática os rituais religiosos estão sempre matizados por essa ideia do pavoroso, pelo sentimento de que algo terrível aconteceu. Pelo contrário, nos rituais hindus assistimos a uma maior serenidade e a uma certa satisfação pela libertação do mundo físico. Para os orientais, o mais terrível e sofrido dos mundos é este em que vivemos - o mundo terrestre é o verdadeiro inferno, a morte representa a libertação.
Temos condições para levar por diante todos esses rituais?
Cada vez mais, diferentes culturas religiosas convivem no mesmo espaço geográfico, em parte, devido aos fenómenos migratórios. E isso cria sérios problemas para as minorias, que muitas vezes vêem-se impossibilitadas de seguir com rigor aquilo que as suas convicções religiosas lhes determinam. O Estado deve ter uma perspectiva imparcial, criando condições para que todos se possam expressar face à morte, o que ainda não acontece no nosso país.
Há quem defenda a criação dos chamados «funerais humanistas», sem ligação a qualquer Igreja.
Essa é uma questão importantíssima. O Estado se é laico tem de ser coerente com essa laicidade. Não faz sentido que um ateu, agnóstico ou seguidor de outra religião seja praticamente forçado a estar nas capelas mortuárias da Igreja Católica. Não faz sentido que nos funerais de Estado os corpos sejam levados para espaços de uma determinada Igreja. A situação incómoda que se verificou há pouco tempo, justamente num caso desses, devido à hipotética realização de um ritual maçónico na Basílica da Estrela, é reveladora dessa contradição. Gerou-se um conflito de interesses, ambos legítimos, entre a vontade de quem morreu e o direito que assistia à Igreja de impedir rituais indesejados. É urgente criar espaços neutros onde os corpos possam repousar e os rituais possam ser preparados, de acordo com as convicções ou crenças de cada um.
O Estado pode demitir-se dessa responsabilidade?
Não deve. A omissão do Estado é perniciosa e já se arrasta há demasiado tempo. É necessário também aumentar o número de crematórios, que são ainda escassos e insuficientes. Se um indivíduo morrer no interior do país e se pretendia ser cremado, a família vai deparar-se com enormes dificuldades para realizar a sua vontade.
Incoerência
Continuamos a ser preconceituosos em relação a outras religiões e tradições?
Continuamos. Há maior tolerância, é verdade, mas continua a haver uma grande ignorância. E o preconceito nasce sempre da ignorância ou quando nos recusamos a conhecer de uma forma neutra e imparcial. Na verdade, muitas pessoas são ignorantes da própria religião que dizem professar. Por vezes, ridicularizam preceitos de religiões ou de igrejas a que não pertencem, desconhecendo por completo que são também comuns à religião que seguem. Quanto mais longe de nós está a religião em causa, maior é o preconceito e a ignorância. Se olhamos de soslaio para as igrejas cristãs protestantes, muito mais o fazemos em relação ao islamismo ou ao hinduísmo.
Temos tendência para desvalorizar as outras crenças e tradições?
Sim. Está enraizada a ideia de que “a religião é a nossa”, as outras são as outras... mais ou menos bizarras, mais ou menos duvidosas. Esta posição egocêntrica - de que o nosso modelo religioso é a medida de todas as coisas – não nos permite ter uma atitude imparcial, de tentar compreender o que subjaz a determinada afirmação, a determinado conceito ou até a determinada prática religiosa. Infelizmente, no mundo da religiosidade continua a predominar a noção de acreditar, sendo desvalorizada a noção de compreender. Mas as crenças cegas (religiosas, rácicas, políticas...) já fizeram demasiados e terríveis males ao mundo...
Podemos não ser tão tolerantes como pensamos...
Ma maior parte dos casos, temos uma tolerância negativa, uma tolerância complacente com presunções de superioridade. Achamo-nos muito bonzinhos por evitarmos rir à gargalhada perante certos costumes ou ideias que nos parecem tão disparatadas. Toleramos... mas consideramos os outros ridículos.
E a associação do islamismo ao terrorismo, é uma ideia perigosa?
Sem dúvida. É preocupante a facilidade com que se fala no terrorismo islâmico, como se fossem quase sinónimos, como se cada islâmico fosse potencialmente um terrorista. E sejamos justos, se fizermos uma história imparcial dos terrores já provocados por religiões, talvez o islamismo não ocupe o primeiro lugar. E pergunto-me se será mais aceitável o terrorismo dos exércitos supostamente civilizados que no pavor da noite descarregam os seus arsenais de destruição sobre cidades habitadas por centenas de milhares de pessoas, ou o de um indivíduo que num acto violento, sem dúvida reprovável, se faz explodir por uma causa fanática, perdendo também a sua vida?
Curiosamente o islamismo tem muitas semelhanças com o cristianismo, mas não reclama ser representante do «único filho de Deus».
Os islâmicos sempre tiveram Jesus na mais alta consideração. O mesmo não se pode afirmar em relação aos cristãos que durante séculos identificaram Maomé com o demónio. A teologia islâmica durante muito tempo foi bem menos sectária e feroz do que a teologia cristã. Não devemos esquecer que em determinado momento da civilização ocidental, a luz da cultura (a arte, a medicina, a arquitectura...) foi-nos trazida do Islão. Os «mouros» não eram assim tão terríveis nem demoníacos como os pintávamos.
A religião é ainda um factor discriminante?
Na prática é. As minorias, religiosas ou outras, continuam a ser olhadas de esguelha. Numa sociedade cada vez mais mediática e competitiva, os poderes instituídos estão ao serviço das maiorias, até porque essa é a lógica consumista, que é a de chegar à maioria dos consumidores. E aí, mais uma vez, o Estado deve ter uma função correctiva. Ainda encontramos com a maior facilidade numa escola ou numa repartição pública, símbolos religiosos alusivos a uma determinada igreja. Será isso correcto, tendo em conta os direitos da igualdade e da não discriminação consagrados na lei? Não me parece.
Que religião, ou religiões, teremos no futuro?
Espero que haja mais religiosidade com menos igrejismos e, sobretudo, menos sectarismos. Penso que a diminuição da crença religiosa, nomeadamente entre as faixas etárias mais jovens, levará a que no futuro a religiosidade seja mais autêntica, por ser procurada, questionada e mais fundamentada.
Caminhamos para a «globalização» também no domínio religioso?
Espero que um dia possamos assistir a uma religião universal. O que há no momento é um vislumbre do que poderá vir a ser a globalização da religiosidade. Hoje temos uma espécie de supermercado religioso – que tem sido objecto de vários estudos sociológicos – no qual as pessoas, sem uma preocupação muito séria do que é verdadeiro ou rigoroso, procuram em diferentes tipos de religiosidade aquilo que mais convém aos seus interesses imediatos. Rezam, por exemplo, orações cristãs seguidas de mantras orientais para se sentirem mais protegidas ou serem beneficiadas. É uma lógica imediatista e egoísta que, a meu ver, não é verdadeira religião.
Religião, filosofia e ciência podem ser conciliáveis?
Já o foram no passado. Grandes pensadores da Grécia antiga, como Pitágoras e Platão, eram simultaneamente filósofos, cientistas e eminentes estudiosos do sagrado. Na altura não havia qualquer dicotomia, a busca de sophia - do conhecimento integral - estava sempre presente. O drama é que se perderam as chaves e os códigos interpretativos que estão na base da ciência e das formulações teogónicas e mitológicas do mundo antigo. E perderam-se devido ao fanatismo religioso, que no século IV e seguintes, desencadeou a mais terrível perseguição e destruição contra todo o património da sabedoria, da ciência e até da arte da antiguidade, consideradas demoníacas. Foram perseguidos e aniquilados pensadores genuínos, pilhados e queimados centenas de milhares de livros que reuniam o esforço de gerações sucessivas de investigadores... Em que patamar poderia estar hoje a humanidade se ao longo dos tempos não tivesse havido tanta intolerância e fanatismo? Certamente, estaríamos bem melhor.
A ciência não responde à grande interrogação da morte. É por isso que procuramos a religião? Em busca das respostas que não encontramos?
É preciso ter em conta que a ciência, tal como a entendemos, tem 4-5 séculos, é uma aventura demasiado recente na história da humanidade e a busca religiosa é muitíssimo mais antiga e, portanto, não surgiu como uma procura para os vazios que a ciência moderna não preenche. Para quem assume uma postura mais reflexiva, o questionamento religioso nasce do deslumbramento perante a grandeza e o mistério do universo. A interrogação basilar - porque é que há o universo? e porque não existe o nada? - tem ocupado as mentes mais reflectidas de todos os tempos. Mas para o comum das pessoas, o questionamento é outro: até que ponto posso ser beneficiado pelas forças superiores, até que ponto esses poderes podem olhar-me de uma forma que me favoreça.
Agora e depois da morte...
Nesta nossa sociedade moderna e consumista, a maior parte das pessoas, pelo menos até chegar a uma idade mais avançada, raramente se interroga sobre a morte, é cansativo e demasiado incómodo pensar nisso. A religião é, sobretudo, encarada como uma espécie de seguro ou de contrato com vagos e hipotéticos poderes superiores, em que a manifestação de adesão a determinada igreja e o cumprimento de práticas mínimas, trariam uma protecção para as coisas imediatas da vida quotidiana. É a tentativa de «comércio» com o sagrado.
Habitualmente «herdamos» a religião da nossa família. Nem sempre escolhemos as nossas convicções religiosas?
A adesão a uma religião em particular, na grande maioria dos casos, não radica de uma escolha consciente e deliberada. Por isso em Portugal cerca de 90% das pessoas afirmam ser católicas, na Argélia quase 100% segue o Islão ou na Índia a grande maioria segue o que impropriamente chamamos de hinduísmo (e que eles chamam Sanatana Dharma - a religião eterna). A nossa apetência religiosa, não sendo reflectida, é imediatamente canalizada para a tradição predominante no país, na região ou no meio sociofamiliar em que nos inserimos.
Mas para muitas pessoas a busca religiosa não tem sentido.
Há quem se defina como ateu ou agnóstico – duas posições distintas, apesar de muitas vezes serem confundidas. O agnóstico autêntico questiona intensamente a natureza do ser e do universo e conclui que não tem certezas. O que é muito diferente das crenças pela positiva ou pela negativa, das pessoas que dizem eu acredito sem saberem muito bem no quê ou daquelas que dizem eu não acredito, desconhecendo também a que se referem quando afirmam não acreditar. Muitos ateus acabam por ser crentes, pela negativa.
Ao longo dos tempos, em todas as culturas, encontramos o culto do divino e dos mortos. Não aceitamos ser mortais?
Parece que não. Há um «sentimento inato» no ser humano que recusa aceitar a ideia de um fim. Se repararmos bem, nós também não temos a ideia de um início, a nossa existência é um dado adquirido. Não nos lembramos do primeiro momento, do primeiro pensamento, da primeira sensação, não temos qualquer memória da primeira vez, do primeiro instante... Temos a noção de que a existência é algo de sempre e para sempre. A religiosidade ocidental afirma que somos eternos, mas apenas num dos sentidos, isto é, sustenta que não teremos fim. Defende, no entanto, que tivemos um início, visto que somos obra de uma divindade criadora. Mas esta ideia de criação não resiste a um exame mais profundo. Nas filosofias mais antigas e profundas do oriente não há tal coisa como um ser criador e um ser criado - todos nós partilhamos um absoluto ou divino e não teremos fim precisamente porque não tivemos início. Essa será a verdadeira eternidade. Encontramos esta concepção, por exemplo, na Vedanta e no Advaitismo na Índia, e de um modo geral, em todo o pensamento antigo, dito pagão.
Queremos sempre deixar marcas da nossa existência, através de um filho, de uma obra... Temos pavor ao nada?
A ideia do nada é insustentável, por mais que queiramos, não conseguimos imaginar o nada. Se tentarmos «tirar o mundo ao mundo», como dizia Fernando Pessoa, algo parece sempre restar, nem que seja um espaço vazio e isso já é alguma coisa. Não pode haver um nada absoluto. E do ponto de vista individual, a noção de nada não só de algum modo nos horroriza, como nos parece inverosímil. A nossa existência é um contínuo, em que não há momentos de vazio ou de nada. Daí a nossa dificuldade em aceitar a morte como um salto para o vácuo.
Do ponto de vista da ciência, continuamos a ser matéria em transformação... «Nada se perde, tudo se transforma», diz a famosa lei da física.
A espiritualidade mais profunda e a ciência, mesmo a mais materialista, afirmam uma plenitude que perdura – seja da matéria, no caso da ciência, seja do espírito, no caso dos que têm uma perspectiva espiritualista, seja do ser (que é simultaneamente espírito e substância), na perspectiva da antiga tradição que perpassa todas as grandes religiões e filosofias. Portanto, não há fim de um ponto de vista espiritualista, como não há fim do ponto de vista materialista, e ambos à sua maneira afirmam a eternidade de algo.
A mesma raiz?
As religiões apontam caminhos diferentes para o além morte. Há algum trilho comum?
Estudos comparativos mostram que há uma base comum a todas as grandes religiões e tradições filosóficas. Se as situarmos historicamente, podemos ver como vão surgindo desdobradamente, umas de dentro de outras, com uma continuidade entre si e não como revelações únicas, que nada tenham a ver com o que está para trás. O problema é que durante séculos olhámos para o pensamento antigo e para as outras civilizações com os preconcebidos do Cristianismo, havendo graves distorções, por exemplo, na tradução de textos antigos, pondo povos que não tinham uma concepção monoteísta a falar de uma criação à maneira cristã... Mas se o cristianismo tem 2000 anos, o budismo tem 2500 anos, o tauismo outros tantos e o hinduísmo muitos milhares de anos.
As concepções orientais são muito diferentes das ocidentais. Em que aspectos?
O pensamento oriental está imbuído da ideia das vidas sucessivas. Cada morte é um momento importante mas é apenas um de muitos momentos, por haver uma pluralidade de existências. Não é assim no cristianismo, no islamismo e, até certo ponto, no judaísmo, em que se entende que temos apenas uma existência neste mundo e, portanto, a morte, quer ocorra aos 70 anos, quer ocorra segundos depois de termos nascido, é um momento único e radical, a partir do qual ficará determinada toda a nossa existência na eternidade. Se porventura, vivermos apenas 15 anos, esses 15 anos determinarão se teremos uma existência eterna de felicidade ou, pelo contrário, de condenação ao sofrimento ou, no mínimo, de privação da alegria. A hipótese reencarnacionista concede não uma mas inúmeras oportunidades de aperfeiçoamento humano.
Hipótese estranha ou sem sentido para muitas pessoas.
Ainda a olhamos com estranheza mas a ideia da reencarnação tem vindo a ser progressivamente encarada como plausível no ocidente. Se há cem anos atrás eram muito poucos os que davam atenção ao assunto, hoje já não é assim. A ideia popularizou-se embora de uma maneira confusa - encontramos as concepções mais díspares e tantas vezes insustentáveis sobre a reencarnação.
Como a de voltarmos à Terra no corpo de um animal...
Essa é uma concepção equivocada. Podemos «animalizarmo-nos» no sentido psicológico mas não no sentido literal e formal da palavra - isso foi muito bem explicado pelo grande filósofo neoplatónico Proclo, ao comentar um texto de Platão. Os antigos, como ainda hoje os orientais, sempre utilizaram uma linguagem muito simbólica, rica em imagens. Uma interpretação literal entraria em contradição com as leis da evolução e da hierarquia, que são basilares.
A ideia da reencarnação está presente em tudo?
Olhando à nossa volta, tudo é cíclico. É curioso que em obras de divulgação científica já se questiona se este universo, se este cosmos que conhecemos, não será apenas um numa longa série, numa sucessão de diferentes cosmos. E de facto a sucessão dos dias e das noites, dos movimentos das marés, das estações do ano, dos nossos movimentos respiratórios de inspiração e expiração... tudo isso evidencia a ideia de uma existência cíclica, que subjaz à teoria da pluralidade das existências ou reencarnação. O cristianismo nos primeiros séculos, em consonância com o pensamento da época, também considerava a hipótese da reencarnação, o que é visível em várias passagens da Bíblia. Só a partir do século VI, no 2º Concílio de Constantinopla, é que a Igreja Cristã considerou definitivamente herética esta posição ao rejeitar as célebres Teses de Orígenes. Até aí, era admitida por muitos cristãos.
Rituais de despedida
Para que servem os rituais funerários?
Podemos ver a sua importância de dois pontos de vista. Na perspectiva de quem fica, é um catalisador e, ao mesmo tempo, um meio de exorcizar o medo que a morte provoca na generalidade das pessoas. Os rituais religiosos reúnem a grande emoção suscitada por se assistir à morte de alguém que nos é particularmente querido, balizam essa emoção e de algum modo vão sublimá-la, ao referenciarem um caminho espiritual que irá ser percorrido por quem partiu e no qual, até certo ponto, podemos intervir dirigindo-lhe orações e pensamentos favoráveis.
E na perspectiva de quem partiu?
Na cultura tibetana, no antigo Egipto e também na cultura hindu, existem obras que descrevem pormenorizadamente (e com notável similitude entre si) os passos que se sucedem a seguir à morte, e todas falam na enorme importância dos últimos pensamentos daquele que morre e do ambiente que o rodeia nesses instantes finais. A sua existência futura será, em grande medida, determinada pela qualidade dos últimos pensamentos, que representam uma síntese da qualidade de todos os pensamentos, sentimentos e acções... de uma vida que ficou para trás. Para um tibetano ou um hindu, é ainda mais penoso morrer num contexto hospitalar.
Os rituais também diferem muito consoante as religiões e tradições.
Por exemplo, os rituais hindus são muito mais complexos, as cerimónias podem demorar 12 dias, usa-se o sari branco e o costume é a cremação, o que corresponde, entre muitos outros aspectos, à sua visão relativizadora do corpo e do mundo físico. Para nós ocidentais, a morte é vista como algo pavoroso, como uma desgraça, como um mal a que não nos podemos furtar, e na prática os rituais religiosos estão sempre matizados por essa ideia do pavoroso, pelo sentimento de que algo terrível aconteceu. Pelo contrário, nos rituais hindus assistimos a uma maior serenidade e a uma certa satisfação pela libertação do mundo físico. Para os orientais, o mais terrível e sofrido dos mundos é este em que vivemos - o mundo terrestre é o verdadeiro inferno, a morte representa a libertação.
Temos condições para levar por diante todos esses rituais?
Cada vez mais, diferentes culturas religiosas convivem no mesmo espaço geográfico, em parte, devido aos fenómenos migratórios. E isso cria sérios problemas para as minorias, que muitas vezes vêem-se impossibilitadas de seguir com rigor aquilo que as suas convicções religiosas lhes determinam. O Estado deve ter uma perspectiva imparcial, criando condições para que todos se possam expressar face à morte, o que ainda não acontece no nosso país.
Há quem defenda a criação dos chamados «funerais humanistas», sem ligação a qualquer Igreja.
Essa é uma questão importantíssima. O Estado se é laico tem de ser coerente com essa laicidade. Não faz sentido que um ateu, agnóstico ou seguidor de outra religião seja praticamente forçado a estar nas capelas mortuárias da Igreja Católica. Não faz sentido que nos funerais de Estado os corpos sejam levados para espaços de uma determinada Igreja. A situação incómoda que se verificou há pouco tempo, justamente num caso desses, devido à hipotética realização de um ritual maçónico na Basílica da Estrela, é reveladora dessa contradição. Gerou-se um conflito de interesses, ambos legítimos, entre a vontade de quem morreu e o direito que assistia à Igreja de impedir rituais indesejados. É urgente criar espaços neutros onde os corpos possam repousar e os rituais possam ser preparados, de acordo com as convicções ou crenças de cada um.
O Estado pode demitir-se dessa responsabilidade?
Não deve. A omissão do Estado é perniciosa e já se arrasta há demasiado tempo. É necessário também aumentar o número de crematórios, que são ainda escassos e insuficientes. Se um indivíduo morrer no interior do país e se pretendia ser cremado, a família vai deparar-se com enormes dificuldades para realizar a sua vontade.
Incoerência
Continuamos a ser preconceituosos em relação a outras religiões e tradições?
Continuamos. Há maior tolerância, é verdade, mas continua a haver uma grande ignorância. E o preconceito nasce sempre da ignorância ou quando nos recusamos a conhecer de uma forma neutra e imparcial. Na verdade, muitas pessoas são ignorantes da própria religião que dizem professar. Por vezes, ridicularizam preceitos de religiões ou de igrejas a que não pertencem, desconhecendo por completo que são também comuns à religião que seguem. Quanto mais longe de nós está a religião em causa, maior é o preconceito e a ignorância. Se olhamos de soslaio para as igrejas cristãs protestantes, muito mais o fazemos em relação ao islamismo ou ao hinduísmo.
Temos tendência para desvalorizar as outras crenças e tradições?
Sim. Está enraizada a ideia de que “a religião é a nossa”, as outras são as outras... mais ou menos bizarras, mais ou menos duvidosas. Esta posição egocêntrica - de que o nosso modelo religioso é a medida de todas as coisas – não nos permite ter uma atitude imparcial, de tentar compreender o que subjaz a determinada afirmação, a determinado conceito ou até a determinada prática religiosa. Infelizmente, no mundo da religiosidade continua a predominar a noção de acreditar, sendo desvalorizada a noção de compreender. Mas as crenças cegas (religiosas, rácicas, políticas...) já fizeram demasiados e terríveis males ao mundo...
Podemos não ser tão tolerantes como pensamos...
Ma maior parte dos casos, temos uma tolerância negativa, uma tolerância complacente com presunções de superioridade. Achamo-nos muito bonzinhos por evitarmos rir à gargalhada perante certos costumes ou ideias que nos parecem tão disparatadas. Toleramos... mas consideramos os outros ridículos.
E a associação do islamismo ao terrorismo, é uma ideia perigosa?
Sem dúvida. É preocupante a facilidade com que se fala no terrorismo islâmico, como se fossem quase sinónimos, como se cada islâmico fosse potencialmente um terrorista. E sejamos justos, se fizermos uma história imparcial dos terrores já provocados por religiões, talvez o islamismo não ocupe o primeiro lugar. E pergunto-me se será mais aceitável o terrorismo dos exércitos supostamente civilizados que no pavor da noite descarregam os seus arsenais de destruição sobre cidades habitadas por centenas de milhares de pessoas, ou o de um indivíduo que num acto violento, sem dúvida reprovável, se faz explodir por uma causa fanática, perdendo também a sua vida?
Curiosamente o islamismo tem muitas semelhanças com o cristianismo, mas não reclama ser representante do «único filho de Deus».
Os islâmicos sempre tiveram Jesus na mais alta consideração. O mesmo não se pode afirmar em relação aos cristãos que durante séculos identificaram Maomé com o demónio. A teologia islâmica durante muito tempo foi bem menos sectária e feroz do que a teologia cristã. Não devemos esquecer que em determinado momento da civilização ocidental, a luz da cultura (a arte, a medicina, a arquitectura...) foi-nos trazida do Islão. Os «mouros» não eram assim tão terríveis nem demoníacos como os pintávamos.
A religião é ainda um factor discriminante?
Na prática é. As minorias, religiosas ou outras, continuam a ser olhadas de esguelha. Numa sociedade cada vez mais mediática e competitiva, os poderes instituídos estão ao serviço das maiorias, até porque essa é a lógica consumista, que é a de chegar à maioria dos consumidores. E aí, mais uma vez, o Estado deve ter uma função correctiva. Ainda encontramos com a maior facilidade numa escola ou numa repartição pública, símbolos religiosos alusivos a uma determinada igreja. Será isso correcto, tendo em conta os direitos da igualdade e da não discriminação consagrados na lei? Não me parece.
Que religião, ou religiões, teremos no futuro?
Espero que haja mais religiosidade com menos igrejismos e, sobretudo, menos sectarismos. Penso que a diminuição da crença religiosa, nomeadamente entre as faixas etárias mais jovens, levará a que no futuro a religiosidade seja mais autêntica, por ser procurada, questionada e mais fundamentada.
Caminhamos para a «globalização» também no domínio religioso?
Espero que um dia possamos assistir a uma religião universal. O que há no momento é um vislumbre do que poderá vir a ser a globalização da religiosidade. Hoje temos uma espécie de supermercado religioso – que tem sido objecto de vários estudos sociológicos – no qual as pessoas, sem uma preocupação muito séria do que é verdadeiro ou rigoroso, procuram em diferentes tipos de religiosidade aquilo que mais convém aos seus interesses imediatos. Rezam, por exemplo, orações cristãs seguidas de mantras orientais para se sentirem mais protegidas ou serem beneficiadas. É uma lógica imediatista e egoísta que, a meu ver, não é verdadeira religião.
Religião, filosofia e ciência podem ser conciliáveis?
Já o foram no passado. Grandes pensadores da Grécia antiga, como Pitágoras e Platão, eram simultaneamente filósofos, cientistas e eminentes estudiosos do sagrado. Na altura não havia qualquer dicotomia, a busca de sophia - do conhecimento integral - estava sempre presente. O drama é que se perderam as chaves e os códigos interpretativos que estão na base da ciência e das formulações teogónicas e mitológicas do mundo antigo. E perderam-se devido ao fanatismo religioso, que no século IV e seguintes, desencadeou a mais terrível perseguição e destruição contra todo o património da sabedoria, da ciência e até da arte da antiguidade, consideradas demoníacas. Foram perseguidos e aniquilados pensadores genuínos, pilhados e queimados centenas de milhares de livros que reuniam o esforço de gerações sucessivas de investigadores... Em que patamar poderia estar hoje a humanidade se ao longo dos tempos não tivesse havido tanta intolerância e fanatismo? Certamente, estaríamos bem melhor.
*Entrevista a José Manuel Anacleto
"Notícias Magazine", nº683 (suplemento do Diário de Notícias/Jornal de Notícias), 26-06-2005, págs.26-32.
Etiquetas: Entrevista, Gabriela Oliveira
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