quarta-feira, 31 de julho de 2013

(De)cisão



Decidimos terminar esta série do Aqui & Agora. Agradecemos àqueles que nos acompanharam e desejamos a todos boas leituras.

Texto e desenho Dina Cristo

A todo o momento acontecem decisões, mais ou menos (in)conscientes e (ir)relevantes. Óscar Quiroga escreveu um dia: «Nada acontece automaticamente no mundo humano, tudo é decidido ainda que inadvertidamente. A todo momento fazemos escolhas através dos pensamentos que nos permitimos pensar, das emoções a que nos agarramos para nos sentir vivos e intensos e, também, fazemos escolhas através das atitudes que decidimos tomar em relação aos nossos deveres e direitos».
Há pequenas escolhas tomadas de forma mais espontânea e naturalmente. Contudo, na viagem da vida, esta proporciona cruzamentos mais difíceis, com acesso a caminhos desconhecidos, para os quais não se sabe, antecipadamente, a saída, pelo que se torna mais arriscado e difícil decidir. O destino apropriado não está garantido e a incerteza e a tensão e ansiedade podem instalar-se.
Para que haja uma boa decisão é preciso evitar a precipitação, por um lado, mas também a indecisão prolongada, por outro, seguir somente a lógica mental como também escutar apenas o coração, ignorar os avisos alheios como seguir unicamente os conselhos de outrem. Uma decisão que, para ser rápida, sacrifica uma das partes torna-se imprudente e enfraquecida e corre o perigo de vacilar, recuar ou não ser aplicada.
Para uma decisão, ponderada e acertada, é necessário processar desde os aspectos mais factuais e práticos aos mais inspiradores e graciosos, passando pela reflexão e análise das informações disponíveis, que reduzem a incerteza, e pela atenção às emoções despertas[1]. É imprescindível tempo suficiente que permita aceder, apreender, compreender, compatibilizar, harmonizar, integrar e depois unificar e transcender as várias fontes numa única atitude unificada, ao mesmo tempo fundamentada e sólida, profunda e ampla, completa e elevada.
Autêntica (re)solução, a boa decisão é aquela que, assim, harmonizada e respeitando a natureza peculiar daquele homem ou mulher - os seus princípios, meios e objectivos -, tendo por base o amor próprio e não o medo, a luz e não o dinheiro, a Vontade e não a coação, se traduz num acto deliberado, exercício livre, autónomo e responsável do poder de escolher.
Pode ser avaliada por tornar a pessoa mentalmente mais discernida, e não confusa, emocionalmente mais generosa, e não maldosa, fisicamente mais estimulada a trabalhar, e não desanimada. Omraam Aivanhov ensinou a ouvir a voz interior que previne: «Se sentirdes uma sombra nos vossos pensamentos, uma perturbação nos vossos sentimentos e indecisão na vossa vontade, não assumais compromissos, pois este critério é absoluto»[2].
De acordo com Carlos Cardoso Aveline (CCA) para uma decisão correcta há que estabelecer metas claras, realistas, positivas (e não pela negativa), asseguradas com pequenos passos, graduais, sob aquilo que está ao alcance controlar, o nível interno (pensamentos, sentimentos e atitudes), em vez do externo, que, não dependendo da pessoa, gera ansiedade, além de (dis)trair.
Bem-estar e saúde são consequências de uma boa decisão, aquela que inspira, expande, eleva e liberta. Sempre que se alinha cabeça e coração, mental e emocional, a tomada de decisão traz paz, serenidade, alegria e leveza. Já a indecisão, hesitação ou inquietação - sinais de que a resposta deve ser negativa, de que o caminho não é por ali - sobretudo se prolongada, gera stress, angustia, mal-estar e, segundo Louise Hay, problemas físicos, nomeadamente nos dentes e gengivas.
Aceitar decidir
A indecisão, para cujo tratamento é adequado o floral “scleranthus”, pode ser devida a uma perturbação psíquica, devido a depressão ou a neura(stenia). No caso das Pessoas Altamente Sensíveis (PAS), deve-se ao facto de, ao serem muito intuitivas, terem acesso a diversas ideias e receberem demasiadas opiniões[3]. De igual modo, as pessoas com (forte) energia "dois" têm, ao ponderarem mais do que uma perspectiva, dificuldades em decidir. 
À indecisão arrastada ou à não decisão, é preferível, segundo alguns autores, uma má decisão, que poderá corrigir-se[4]. Ao contrário da indecisão, que implica inércia e estagnação, a decisão, ao ser uma escol(h)a, que gera acção, movimento e mudança, traz aprendizagem de acordo com os resultados obtidos. O que torna a (de)cisão, muitas vezes, difícil é a perda inevitável que provoca, pois há sempre alguma coisa a sacrificar para que algo se possa salvar. Decidir é - além de analisar, separar, selecionar e avaliar, saber optar – prescindir e renunciar, o que exige desapego.
A decisão benéfica activa o novo, útil, correcto e funcional em detrimento do passado, inútil, incorrecto e disfuncional, que deixa ir embora, como é propício no final de cada ciclo de nove anos de vida. Cada novo período, estimulado pela força do “um”, é uma das melhores oportunidades para efectivar as decisões tomadas, renovando pessoas, lugares, ideias e ocupações. O desafio é, ciclicamente, libertar o velho, ir dispensando cada vez mais o instintivo, grosseiro, pesado e pessoal por substância, física, emocional e mental, mais intuitiva, fina, leve e impessoal – a iluminação da “lua”.
A cada aniversário pessoal assim como a cada Ano Novo são, para CCA, também períodos ideais à tomada de decisão, à sua reavaliação ou reforço. Pela disponibilidade e disposição que propiciam são mais uma oportunidade para desapegar da rotina, exercitar a vontade, vencer a preguiça e ultrapassar a inércia.
O mesmo teósofo ensina como há sempre livre arbítrio nas escolhas efectuadas pelo Ser Humano, não só durante todo o tempo livre mas também na reacção face ao ocupado com o cumprimento das obrigações; a liberdade e responsabilidade são constantes e cada atitude define e orienta, no momento presente, a direcção do caminho a seguir, a via da animalidade ou divindade, a atenção a prestar ou não e a que(m).
A opção pelo bem, belo e bom, pela verdade, pelo amor e pelo serviço (1,0) em detrimento do mal, feio e mau, da ilusão, do medo e de se servir (0,1) são decisões importantes, que exigem coragem, força de vontade e sacrifício – há sempre um medo ou desejo a ultrapassar, uma perda a enfrentar, um “preço” a pagar. No caso destas decisões importantes, atravessar o Rubicão implica aceitar as consequências.
Para que a escolha do melhor seja influenciada pela profundidade da alma e não fique à mercê dos caprichos da personalidade é necessária persistência e paciência para que o apaziguamento mental, a serenidade emocional e a elevação aconteçam, como ensina Omraam Aivanhov[5]. Outro mestre, Platão, escreveu, no final da “A República”, que ainda que sejam os últimos a escolher, podem saber fazê-lo bem.
Cada um tem não só o direito como o dever, a responsabilidade, de decidir. A todo o momento é uma nova oportunidade de o fazer, que reflecte o seu autor e influencia os que o rodeiam. A cada nova decisão se avança no amor ou no medo, na vontade ou no desejo, no perdão ou na culpa, na elevação ou na degradação. As boas decisões, conscientes e amorosas, mais íntegras e demoradas, curam. As outras atrasam e desviam cada Ser Humano do seu caminho, autêntico, único e diferente.


[1] Como referiu António Damásio, em entrevista a Judite Sousa, na RTP, «É praticamente impossível tomar decisões que não tenham uma componente emocional». [2] AIVANHOV,OmraamPensamentos quotidianos 2011. Publicações Maitreya. Dia 13/8/2011. [3] Contudo, como sublinha Elaine Aron, embora não adoptem decisões rápidas, as PAS tomam normalmente boas decisões[4] O sentimento de remorso pode estar na base de novas boas decisões. [5] AIVANHOV, Omraam – Pensamentos quotidianos 2014. Publicações Maitreya. 3/8/2014.

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quarta-feira, 24 de julho de 2013

Ilusões



A dias de se assinalar o seu nascimento, relemos uma das obras mais célebres de Jean Baudrillard.


Texto Myriam Mesquita Lopes

Actualmente a simulação ocorre em modelos de geração de um real sem origem, e como este real simulado não tem origem, não há exactamente uma realidade, o que há é o hiper-real. Segundo Baudrillard, o real é produzido a partir de memórias, matrizes e de modelos de comando, podendo ser reproduzido infinitamente.
O autor afirma, "Simular é fingir ter o que não se tem". No entanto, simular não é fingir. A simulação não pressupõe que se finja, apenas se passa a sentir os sintomas de uma doença real, ou seja, temos aí a doença simulada. A simulação não permite perceber o que é verdadeiro e o que é falso e o que é “real” e “imaginário”.
A imagem é o reflexo de uma realidade profunda/uma boa aparência, a imagem deforma uma realidade profunda, é uma má aparência. Por outro lado, a imagem disfarça a ausência de uma realidade profunda, isto é, finge ser uma aparência. A imagem não tem relação com qualquer realidade, é o seu próprio simulacro puro. A simulação atinge a sua fase máxima, o hiper-real, ou seja, diversas realidades coexistem como estratégia de dissuasão do real. Baudrillard sublinha que as imagens têm a propriedade de aniquilar o real e gerar o seu próprio real. Necessitamos de possuir um passado visível, um mito visível da origem para que possamos estar tranquilos em relação aos nossos fins. Afirma ainda que a Disneylândia não se trata de uma representação falsa da realidade mas sim de esconder que o real já não é o real, salvaguardando o princípio da realidade. O autor diz que o mundo se quer infantil para que os adultos pensem que estão no mundo “real”, e para esconder que “a verdadeira infantilidade está em toda a parte, é a dos próprios adultos que vêm fingir que são crianças para iludir a sua infantilidade real”.
Outrora tentava-se dissimular um escândalo, hoje em dia tenta-se esconder que ele não existe. Já não é possível a ilusão porque o real não é possível. Os acontecimentos hiper-reais já não contêm rigorosamente conteúdos ou fins próprios, mas estão indefinidamente refractados uns pelos outros. O que a sociedade procura ao produzir e reproduzir, é “ressuscitar o real que lhe escapa”. A produção material é ela própria hiper-real. Nenhuma sociedade sabe concretizar o seu trabalho de luto do real.
O poder à semelhança de uma outra mercadoria depende da produção e do consumo das massas. A análise ideológica tem como finalidade reconstituir o processo objectivo, pois é sempre um problema querer reinserir a verdade sob o simulacro. A filmagem exalta o insignificante: há um “gozo da visão microscópica que faz o real passar para o hiper-real”. Segundo Baudrillard esta é a fase futura da relação social, a nossa, a fase da dissuasão e não da percepção, na qual “Vocês são a informação, vocês são o social, vocês são o acontecimento, isto é convosco, vocês têm a palavra”.
Não há violência nem vigilância somente a informação, reacção em cadeia, uma implosão lenta e simulacros de espaços. O medium é inapreensível, difuso e difractado no real. É o fim do espaço perspectivo e panóptico. A televisão “olha-nos, manipula-nos, informa-nos…”. Quando a distinção entre os dois pólos tradicionais não é perceptível assiste-se à entrada na simulação, na “manipulação absoluta”, na indistinção do activo e do passivo”. Os pólos diferenciais implodem ou reciclam-se mutuamente.
A história que nos é contada hoje é uma neofiguração, isto é numa invocação da semelhança, mas ao mesmo tempo a prova de que os objectos desaparecem na “sua própria representação: hiper-real”. É o “brilho de uma hipersemelhança”, “figura vazia da semelhança, à forma vazia da representação”.
Jean Baudrillard invoca que não é coincidência que a televisão esteja justamente no local onde tudo acontece. A intrusão da televisão, faz surgir o incidente. Dá-se uma forma de catástrofe do sentido formal. A expectativa, a esperança é a implosão. A simulação é eficaz o real não. O suspense vence. A solução é: “(…) fazer acontecer a catástrofe”. A simulação “funciona como um incenerador que absorve toda a energia cultural devorando-a”. É uma máquina de produzir vazio. Materializa-se, absorve-se e aniquila-se. Tudo está em coma profundo. A cultura morreu. Foi elaborado um elogio à desconexão total, à hiper-realidade e à implosão da cultura. Quer-se animação, não reanimação. “São as próprias massas que põem fim à cultura de massas”. Tudo está previsto, já não existe alternativa, pois “o poder implode” e “é o seu modo actual de desaparecimento”. A violência implosiva “resulta já não da extensão de um sistema mas da sua saturação e da sua retracção”. Dá-se uma densificação desmedida do social. É-nos ininteligível, pois é indeterminada. Assim involuimos, regredimos. Procuram-se todas as respostas nos objectos. Eles interrogam-nos, testam-nos, intimidam-nos. Os Média funcionam da mesma maneira. É um universo de simulação, onde a limitação racional é contínua. Nasce uma nova morfogénese, a aglomeração face ao campo e à cidade. O hipermercado, como exemplo é um núcleo que gera uma órbita ao seu redor na qual se move a aglomeração. Estamos num universo em que existe cada vez mais informação e cada vez menos sentido. A informação é invadida por uma espécie de conteúdo fantasma, de transplantação homeopática, de sonho acordado da comunicação. É um processo circular entre a simulação e o hiper – real. Mais real do que o real. É assim que se anula o real. O autor sublinha que “Os Média são como instituição de um modelo irreversível de comunicação sem resposta”.
Defende que o “grau zero do sentido” acontece pela “absorção de todos os modos de expressão virtuais”, a razão é que a “publicidade é instantânea e instantaneamente esquecida”. É o triunfo da forma superficial. Não tem passado, nem futuro, por ser a última vence sobre todas as outras”. É uma linguagem de massas. Define a sociedade. Fala-nos de “uma cultura que se enterrou para escapar definitivamente à sua própria sombra”. Um holograma é a fantasia de captar a realidade ao vivo de forma contínua. É uma suspensão do real. Profundidade invertida, aura imaginária. Assim como o holograma, o clone é uma tentação inversa, fascínio inverso, fim da ilusão. É “imagem perfeita e fim imaginário”. Não existe real no fundo. A reprodução holográfica, já não é real, é hiper-real.
Baudrillard afirma existirem três categorias de simulacros: simulacros naturais, simulacros produtivos e simulacros de simulação. Já não podemos a partir do real construir o irreal, o imaginário a partir do real. O que tende a acontecer é exactamente o contrário: criam-se situações descentradas, modelos de simulação, reinventa-se o real como ficção, precisamente porque ele desapareceu da nossa vida. O que distingue Crash de toda a ficção científica, é que projecta no futuro as mesmas linhas de força e as mesmas finalidades do universo dito “normal”.
A ciência nunca está segura, por isso a experimentação não é “um meio para um fim, é um desafio e um suplício actuais”. O inconsciente “é o dispositivo logístico que permite pensar a loucura”. É o lugar da repetição indefinida do recalcamento e das fantasias do sujeito.
Nunca sabemos qual é o resto do outro. Podemos assim falar do resto como de um espelho, ou do espelho do resto. É que o sentido não existe. O resto é reversível e troca-se em si mesmo. Está em toda a parte e ao procurá-lo sem o encontrar, anula-se enquanto tal. Para o autor do livro, hoje faz-se do resto o problema crucial da humanidade.
Baudrillard conclui que “só uma patafísica dos simulacros pode fazer-nos sair da estratégia de simulação do sistema e do impasse de morte em que nos encerra”. “O universo da simulação é transreal e transfinito: já nenhuma prova de realidade lhe virá pôr fim – só o afundamento total e o deslizar do terreno, que continua a ser a nossa mais louca esperança”.

O sistema em que vivemos é niilista, no sentido em que tem o poder para reverter tudo, “inclusivamente o que nega, na indiferença”. O niilismo realizou-se inteiramente na simulação e na dissuasão. O fascínio é uma paixão niilista por excelência. A verdadeira revolução do século XIX é a “destruição radical das aparências, o desencantamento do mundo e o seu abandono à violência da interpretação e da história”. O autor do livro assume que já “não há esperança para o sentido”.

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quarta-feira, 17 de julho de 2013

Retribalizar


Cinquenta anos depois da publicação, pela primeira vez, de uma das obras mais importantes de Marshall McLhuhan, revemo-la, antes da celebração de mais de 80 anos do nascimento do autor.

Selecção Dina Cristo

«Para ter êxito comercial, um livro não pode arriscar mais do que dez por cento de novidade», pág.12
«Se o século XIX foi o tempo da cadeira do editorialista, o nosso [XX] é o século do divã do psiquiatra», pág.13
«Todas as culturas e tempos possuem um modelo preferido de percepção e de conhecimento, que procuram impor a tudo e a todos», pág.13
«A situação de abandono escolar nas nossas escolas ainda agora começou», pág.16
«O estudante de hoje vive de forma mítica e profunda», pág. 17
«(…) os homens nunca têm consciência das regras fundamentais da sua cultura (…)», pág.18
«(…) a compreensão paralisa a acção (…)», pág. 29
«(…) o ser humano transforma-se naquilo que contempla.», pág. 32
«Nós, por nossa parte, detectamosa vanguarda no frio e no primitivo (…)», pág.40  
«(…) uma situação de alto desenvolvimento oferece, por definição, baixos índices de participação (…)», pág.41
«O consumidor passivo deseja embalagens (…)», pág. 44
«À medida que começamos a reagir em profundidade à vida (…) tornamo-nos reaccionários», pág.48
«O jovem Narciso tomou o seu reflexo na água por outra pessoa», pág.55
«A auto-amputação impede o auto-reconhecimento», pág.56
«Na era da electricidade, nós usamos como nossa pele toda a humanidade», pág. 61
«Assim como a imprensa clamava pelo nacionalismo também a rádio clama pelo tribalismo», pág.63
«Nós podemos, se quisermos, planear as coisas antes de as criarmos», pág. 64
«(…) os meios linguísticos modelam  o desenvolvimento social tanto quanto os meios de produção», pág.64
«Hoje em dia possuímos anestésicos que nos permitem executar as mais aterradoras intervenções físicas», pág. 79
«O efeito da rádio é visual (..)», pág. 79
«(…) o contra-irritante costuma revelar-se mais incómodo do que o irritante inicial (..)», pág.81
«(…) a força de vontade é tão útil  para a sobrevivência como ainteligência», pág. 84
«A consciência não é um processo verbal», pá.98
«(…) cada ideograma é investido de uma intuição total do ser e da razão», pág.98
«(…) a mais banal das comodidades implica profundas mudanças culturais», pág. 100
«(..) em todos os sistemas há um ponto a partir do qual a aceleração redunda em ruptura e colapso», pág. 104
«(…) o número é a essência de  todas as coisas perceptíveis aos sentidos», pá. 124
«(…) o número contém todo o sentimento do mundo de uma alma apaixonadamente devotada ao “aqui” e ao“agora”», pág. 124
«A tecnologia da imprensa converteu o zero medieval no infinito renascentista», pág. 127
«(…) todos os meios são extensões do nosso corpo e dos nossos sentidos», pág.128
«Agindo como um órgão do cosmos, o homem tribal aceita as suas funções corporais como formas de participação na energia divina», pág. 135
«(…) a luz é um sistema de comunicação autónomo no qual o meio é a mensagem», pág.140
«Hoje em dia, na era da electrónica, o homem mais rico está reduzido a ter o mesmo tipo de diversões, e até o mesmo tipo de alimento e de veículos, que o homem comum.», pág. 145
«Uma actividade que envolva todo o ser do homem, não é trabalho», pág.149
«(…) a era mecânica é um interlúdio entre dois grandes períodos orgânicos de cultura», pág. 161
«A alfabetização é em si mesma uma forma de ascetismo abstracto (…)», pág. 162
«O visual dessacraliza o universo e origina “o homem não-religioso das sociedades modernas”», pág. 165
«O ouvido é hipersensível. O olho é frio e distanciado.», pág.165
«(…) o grande preceito da bibliografia: “quanto mais houve, menos há”», pág.169
«(…) o homem integral mostra-se sempre muito inepto numa situação de especialização», pág. 176
«(…) a imprensa desafiou os padrões corporativos da organização medieval tanto como a electricidade desafia agora o nosso individualismo fragmentado», pág.184
«Não existe ceteris paribus no mundo dos meios e da tecnologia», pág. 191
«Idealmente, a educação é uma forma de protecção colectiva contra as consequências negativas dos meios de comunicação», pág.201
«Hoje em dia, o viajante tornou-se passivo», pág.204
«Todos os meios existem para investir as nossas vidas com percepções artificiais e valores arbitrários», pág.205
«A antecipação dá-nos o poder de desviar o rumo e controlar a força», pág. 205
«Ocorrem menos crimes quando não existem jornais para os divulgar», pág. 211
«(…) no nosso mundo eléctrico, a informação é claramente o negócio principal e a maior fonte de riqueza», pág.212
«(…) a introdução duma nova tecnologia altera não apenas a imagem, mas o próprio quadro», pág.224
«O carro tornou-se na carapaça, a concha agressiva e protectora, do homem urbano e suburbano», pág.230
«Os anúncios elevam o princípio do ruído ao patamar da persuasão», pág.232
«Os recalcitrantes são os (…) melhores aclamadores e impulsionadores», pág.235
«Quando as culturas mudam, os jogos mudam também», pág.244
«Levar mortalmente a sério as coisas mundanas é sempre indício de uma lamentável falta de reflexão», pág.248
«Vivemos hoje na Era da Informação e da Comunicação porque os meios eléctricos criam instantânea e permanentemente um campo total de acontecimentos em interacção nos quais toda a humanidade participa», pág.253
«(…) a nossa co-presença em toda a parte ao mesmo tempo é uma experiência mais passiva do que activa», pág.253
«A electricidade confere aos fracos e aos sofredores uma poderosa voz, ao mesmo tempo que afasta a especialização burocrática», pág.258
«Um pouco por toda a parte, o orgânico tem vindo a suplantar o mecânico», pág.260
«A aceleração é uma fórmula para a dissolução e colapso de qualquer organização», pág.260
«(…) a máquina de escrever representa uma fusão da pena e da espada», pág.264
«(…) as guerras posicionais acabaram», pág.269
«Numa estrutura eléctrica não existem margens», pág. 278
«O homem como recolector de alimentos reaparece incongruentemente como recolector de informação», pág.288
«Há imensa subtileza e sinestesia na arte primitiva(…)», pág.292
«(…) qualquer tarefa especializada dispensa a maioria das nossas faculdades», pág.294
«(…) o sucesso é não apenas perverso mas também o caminho mais seguro para a infelicidade», pág.298
«Se a televisão já existisse em larga escala no tempo de Hitler, este teria desaparecido num instante», pág.302
«A rádio propiciou a primeira experiência massiva de implosão electrónica (…)», pág.303
«A ênfase na literacia é um sinal distintivo das regiões que se esforçam por iniciar esse processo de estandardização (…)», pág.304
«(…) os efeitos da rádio são em grande medida independentes da sua programação», pág.308
«Toda a gente vivencia muito mais do que compreende», pág.321
«Se o meio é de alta definição, a participação é baixa», pág.321
«A televisão é um meio que tem mais que ver com a reacção do que com a acção», pág.322
«O movimento ecuménico é sinónimo de tecnologia eléctrica», pág.323
«A América europeíza-se hoje tão rapidamente quanto a Europa se americaniza», pág.324
«(...) numa terra de cegos, quem tem um olho não é rei; pelo contrário é encarado como um lunático alucinado», pág.335
«De dia para dia, a pena torna-se mais forte do que a espada», pág.341
«(...) há uma relação entre a educação e a pontaria», pág.344
«Com a tecnologia eléctrica instantânea, o globo nunca será maior do que uma aldeia», pág.346
«Qualquer matéria, se estudada em profundidade, relaciona-se imediatamente com todas as outras», pág.350
«(...) descobrir o desconhecido no conhecido - tão necessário para a compreensão da vida das formas», pág.355.

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quarta-feira, 10 de julho de 2013

Vi(d)a hortícola





Antes do Dia do Agricultor vamos conhecer, através da pena de um deles, alguns  dos principais desafios dos homens da terra.

Texto Filipe Sêco desenho Patrícia Sêco

Sol na eira e chuva no nabal. Este podia muito bem ser o Santo Graal de qualquer hortelão, e demonstra bem os tormentos que o cultivo da terra acarreta. A Natureza quer, pode e manda nas vontades do agricultor, pondo à prova, ano após ano, a sua persistência, força de vontade e paciência.
O agricultor é um eterno insatisfeito. Se faz sol, anseia por uma chuvinha, se chove, pede sol, e se o frio aperta, reza pelo tempo mais quente. Nunca se pode ter tudo, e em agricultura a frase é ainda mais certa. É evidente que o sol dá vida a tudo o que aquece, mas também pode queimar quando o termómetro sobe. A chuva incha as sementes e dá-lhes o sinal de que que é tempo de despertar, mas também pode ter efeitos destruidores, quando em excesso alaga os campos. O frio tem um efeito positivo no controlo natural de pragas, mas quando uma geada fora de tempo congela as “novidades” da horta, o hortelão roga pragas a quem controla o tempo.
Nesta relação homem /natureza, umas vezes ganha-se outras vezes perde-se. O agricultor depende então de si mesmo e das boas graças da mãe natureza. Há já muito tempo que se diz que a agricultura vive dos subsídios, e que sem eles era impossível fazer-se agricultura. Ao pequeno agricultor pouco lhe importa se há subsídios ou não, o que ele quer é estar em contacto com a terra e produzir o seu próprio sustento. Se falarmos de uma agricultura em larga escala, com os custos e os investimentos em sementeiras, equipamentos, mão-de-obra, etc., estes poderão fazer algum sentido. Os subsídios servem para isso mesmo, auxiliar algo que implique grande risco. Nenhuma outra actividade está tão dependente das condições ambientais como a agricultura.
Quando decidi tornar-me agricultor biológico a ideia poética do que era trabalhar a terra estava no auge. Passados mais de 10 anos desde o início e após grandes tormentos, como a perda da estufa passando por colheitas fracas, a ideia poética, apesar de tudo, ainda se vai mantendo. A Lousã é considerada pelo Ministério da Agricultura como uma zona desfavorecida, principalmente pelas condições climatéricas e fertilidade dos solos, muito diferentes, por exemplo, de uma região mais costeira. Acrescido ao facto de a Agricultura Biológica exigir muito trabalho manual e de planeamento de culturas mais rigoroso.

O grande desafio, para os próximos anos, vão ser as alterações climáticas, que já se fazem sentir. Também esta lei das sementes de que tanto se fala poderá limitar bastante a autonomia do agricultor, caso se confirme a impossibilidade de podermos guardar e trocar as nossas próprias sementes. Para mim, o maior desafio de todos vai ser mesmo resistir, e ter força de vontade para vencer o desânimo interior que a incerteza de uma sementeira traz. Uma vez agricultor, agricultor para sempre, o que pode mudar é mesmo o objectivo para o qual se trabalha, auto-suficiência ou produção em grande escala.

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quarta-feira, 3 de julho de 2013

Co-operar


Antes do Dia Internacional das Cooperativas, perspectivamos a competitividade da cooperação, as vantagens de laborar com - e não contra - o(s) outro(s).

Texto e fotografia Dina Cristo

Uma das fontes mais profundas da competição é o pensamento de escassez. A sensação de insuficiência é um pressuposto que gera medo de não conseguir ter o que se necessita, o que conduz à luta pelo poder, para melhor controlar e dominar. A ideia de igualdade é outro importante factor que está na base do desejo de distinção, frequentemente de acordo com expectativas exteriores.
A consciência individual, o interesse pessoal, fazem do individualismo uma das causas mais influentes para relações competitivas, com ênfase na astúcia. «Competição ou espírito agonístico são, na nossa perspectiva, a mesma coisa. Resultam da incapacidade de sair de si próprio, no desejo de se sobrepor, ao invés de se identificar com o outro», elucida Clara Tavares[1].
Da comparação nasce uma sensação de privação relativa, o que provoca uma espécie de corrida social, para ver quem chega primeiro (ao ponto mais alto), à ostentação (de títulos e/ou de bens), como forma de sinalizar ascensão e posição social, na esperança de que esta traga algum respeito - uma ambição de diferenciação que incrementou a mobilidade social, sobretudo depois da Revolução Americana, como explica Abílio Oliveira[11].
Este foco egoísta e separatista expressa-se por uma atitude contra a Natureza, incluindo a Humana, cujo objectivo é tirar vantagens, explorar, lucrar, acumular, apropriar-se. Esta postura “anti”, meramente receptiva e coadjuvada por um estilo de vida rápida, vacilante e ensopada em quantidade, não vai, contudo, além da repetição, da homogeneidade e da uniformização.
Os seus pontos de partida reaparecem à chegada: isolamento, conflito, inimizade, agressividade, bloqueio, stress, vazio. No final, os frutos são idênticos à raiz desta “árvore”, enfraquecida em combate para ser alguém: violência, crueldade, aprisionamento, doença, indiferença e consumismo. Resulta desta relação incorrecta, após a eliminação, dominação, destruição e exaustão, ainda mais pobreza, separação, insegurança e uniformidade.
Carlos Cardoso Aveline refere, no entanto, como se trata de uma reacção em crise: «As ideologias da luta competitiva, baseadas na premissa de que o mundo é mau e o homem não presta, não sobreviverão à sociedade patriarcal que já está aos pedaços, como uma placenta que se rompe na hora do parto»[2]. «A maioria das espécies extintas ao longo do tempo» sustenta o autor no mesmo livro «não desapareceu pela competição entre si, mas por mudanças climáticasdrásticas ou doenças epidêmicas»[3]. A maior parte dos animais, argumenta ainda o autor - são sociais e dependem bastante da ajuda mútua para sobreviver.

Cooperar é natural

F.J.C. Jr. defende que a cooperação é a verdadeira essência da civilização. Ela está presente desde a célula, como esclarece Lynn Margulis, até à conversação, como argumenta Grice, constituindo a base da economia medieval, designadamente através das guildas ou do trabalho colaborativo e anónimo, de construção colectiva das Igrejas. Está actualmente presente em actos como, por exemplo, o Biogás ou o aperto de mão, uma troca entre o princípio activo (emissor) e o passivo (receptor).
Ao contrário da competição, parte do princípio de que existem recursos não só suficientes mas também abundantes, o que gera confiança, além de diversos e diferentes, o que predispõe ao desenvolvimento do potencial existente, mais interior, e à sua manifestação, através da doação e partilha, e ao reconhecimento, gerando satisfação, gratidão e cada vez mais riqueza, material e psicológica. É o caso de todo o ovo ou semente, testemunho da capacidade criadora e multiplicadora da Natureza, e do jogo win-win, aplicado no âmbito da comunicação não violenta, em que todos ganham.
Orientados por uma consciência mais social e colectiva, os cooperantes baseiam a sua actuação em harmonia com os outros (e não contra eles), numa atitude sã e amiga, em união livre, com ganhos mútuos e apoio recíproco sem esquecer os valores da solidariedade, fraternidade, camaradagem, comunhão e altruísmo. Nesta parceria horizontal e correcta, com o ponto Alfa e Òmega a coincidirem na pacificação, segurança e comunicação, tem lugar a gratuitidade, a compaixão, a inclusão, tal como a amizade ou o amor.
Os resultados de força, esperança e plenitude reflectem as intenções comunitárias, de troca, circulação, fluidez e comunicação, as finalidades de identificar, aproximar, associar, conciliar ou de tornar comum e mesmo como um. Em vez de se procurar ser alguém, destacado, é-se ninguém, nesta floresta sã, qual rede humana de interdependência, círculo que cuida, protege, apoia e convive em uni(ci)dade.
A atitude em que as acções são compartilhadas, os benefícios distribuídos e os objectivos comuns, em alinhamento com a intenção original, manifesta-se nas confrarias, cooperativas, misericórdias, casas mútuas e do povo. Com uma Aliança Internacional desde os anos 60, o espírito cooperativo renasce hoje nas mais diversas actividades, desde a pedagogia (colaborativa) à agricultura (permacultura), passando pela saúde (homeopatia).
«À medida que o tempo marcha, o clamor crescente será para mais e mais cooperação – porque, vivendo em cooperação num mundo global, nós encontraremos a paz e a abundância para todos os povos, indiferentemente da raça ou credo», assegura F.J.R. Jr. É a compreensão, aceitação e aplicação da predisposição natural colaborativa - do interesse mútuo e do trabalho em equipa, própria do dois - e complementar existente entre todos os pares de opostos, que se procuram, necessitam e completam para assim poderem criar.
Quando a Humanidade deixar de competir consigo, com os outros e com a Natureza, numa atitude hostil, e passar a cooperar com todos, poderá recuperar a graça e a alegria. Se, desde bebés, Homens e Mulheres deixarem de ter de concorrer pela atenção de um adulto e de uma relação duradoura e segura, poderão, religados, resgatar a sua vocação cooperativa. Nessa altura, sem motivo para guerras, os Seres Humanos terão espaço, tempo, dinheiro, tecnologia e criatividade suficientes para proteger as plantas e os animais, e se elevarem a planos mais subtis e refinados.


[1] TAVARES, Clara - in Biosofia, nº38, pág.43. [11] OLIVEIRA, Abílio; GRAÇA, João  - Privação relativa – porque não vivemos mais satisfeitos in Biosofia, nº38, pág.4-8. 2011.
[2] AVELINE, Carlos Cardoso -  Aqui e Agora, para viver até ao séc.XXI, Editora Sinodal, 1985, pág.39. [3] Idem, pág. 25.

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