quarta-feira, 28 de novembro de 2012

O Graal


Quase quatro anos depois de um grupo informal ter iniciado o ciclo "Na Demanda do Graal", que decorreu durante vários Equinócios e Solstícios em nove locais de Portugal, desvendamos um pouco o seu carácter.

Texto e fotografia Dina Cristo 

O Graal é, segundo a Tradição, a taça que Jesus Cristo usou na noite da Ceia e onde foram recolhidas, após a sua crucificação, algumas gotas de sangue, por José de Arimateia, que a deixou ao seu filho. A taça representa o princípio feminino, que acolhe e protege o sangue - vermelho, cor de Marte - a mais preciosa das quintas essencias.



A taça simboliza a matéria, o corpo, a receptividade, que consegue atrair e fixar o Espírito, depois de purificada. «Há uma coisa que o Graal e as suas virtudes não poderão tolerar nunca em ti: o descomedimento dos desejos», afirmava Wolfram von Eschenbach. Depois de transcender a dimensão passional, reaparece espiritualmente, como a fénix renascida das cinzas.



O Graal contém dois mitemas: a procura da iniciação espiritual, do conhecimento iniciático, e o regresso do Rei Artur, a restauração de uma Idade de Ouro, Era do Espírito Santo - o regresso de um reino onde volta a existir a harmonia entre os seres (humanos) e a Comunicação entre a Humanidade e a Divindade.



Numa outra versão, o Graal é a taça talhada de uma esmeralda - a pedra preciosa, lapsit exilis, qual pedra filosofal, verde, cor de Vénus - caída da fronte de Lúcifer, quando este se precipitou sobre o abismo, após a revolta contra o Divino. O receptáculo das comunicações celestes corresponde ao sexto raio e ao número 235.



O santo Graal simboliza, assim, a união dos dois princípios, o feminino, o corpo, a mãe, a terra, que recebe e acolhe o princípio masculino, o espírito, o pai, o céu. Segundo a Tradição, Portugal, qual Porto do Graal, desempenha uma missão na procura e no retorno da Taça da Abundância e Alegria, Fonte de Vida e de Luz cujo rasto se perdeu.

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quarta-feira, 21 de novembro de 2012

A Comunicação Oculta I



Neste Dia Mundial da Filosofia encetamos a publicação de um ensaio sobre a Comunicação Oculta, Transpessoal. Iniciamos com o Logos, que permitiu a passagem do Caos para o Cosmos.

Texto e desenho* Dina Cristo

Antes do Verbo era o Caos Primordial, o Silêncio[1] Intemporal - o mais belo desígnio humano, nas palavras de Ana Isabel Neves –, o Som Causal e Insonoro, a Idade de Ouro do Ser Humano Áfono, como (d)escreve Julia Kristeva[2]

O Pai

É no seio de Mulaprakriti, a raiz da substância pré-cósmica, que surge o primeiro Logos, a Unidade, o ponto no círculo, o Pai (nosso que está no Céu), que torna a substância cósmica obscura, informe e estéril (Pradhâna) susceptível de ser fecundada e transformada em “mãe” primordial, ordenada, fértil e radiante, o Maha-Akasha ou o Akasha primordial.
É do Absoluto, a Fonte, o Tao, Para-Brahman, que irradia a Luz Primordial, Daiviprakriti, que contém toda a informação (sabedoria) a partir da qual todo o Universo vai ser construído, organizado, animado, movimentado e manifestado.
O primeiro logos corresponde ao Ser, a causa primeira, o Espírito puro, Purusha, o Uno, o ponto de partida, Atman, a Mónada, o Poder, a Vontade e a Força criativa, o conjunto de Hierarquias, Dhyani-Chohans, o Demiurgo[3], o Altíssimo e o Santíssimo, Ishvara, o Ser Humano no seu Alfa e Ómega.
O primeiro princípio é Pasyantî, o Som sintético e primordial pelo qual “todas as coisas foram feitas”[4], é a nota-chave, a emissão sonora, a modalidade eléctrica, o padrão vibratório primordial que põe, a matéria, inicialmente virgem, em movimento e impulsiona a manifestação e dá origem a um novo cosmos: «Deus canta e, ao fazê-lo, ecoa um Verbo arquetípico e soberanamente harmónico através de séculos, milénios e idades de ritmo cadenciado. Ali, na Substância Una primordial, Ele repercute os sons que darão origem à múltipla manifestação»[5].
Corresponde a sattva, à expansão, ao conhecimento, discernimento e acção desinteressada, ao primeiro raio, ao tempo, ao céu (svar), ao sol (surya), à endoderme (a parte interna), ao referente, ao programador, ao emissor, à essência, ao braço, ao Espírito, ao Um.

O Filho

O segundo aspecto do logos, semi-manifestado ou (i)manifestado, é o gérmen da diferenciação (svabhavat) – sem separação – entre os dois pólos, o da Ideação Cósmica, Mahat, o Pai, e o da Raiz da Substância, a Mãe, Adi-Prakriti. O Filho, Cristo, Vishnu, bipolarização da unidade, simultaneamente Pai e Mãe, é o intermediário de um junto do outro. Como transmitiu Clemente de Alexandria, “O Pai só vê o mundo conforme este é reflectido no Filho”.
Corresponde à Luz, Lúcifer, Madhyamâ, ao Verbo, Vâch, a deusa da linguagem do hinduísmo, à Palavra Sagrada, perdida, germinal, sintética, perfeita, completa, paradigmática, que contém o significado, o plano, o propósito de todos os universos manifestados. É o Fiat Lux, a consciência que permite expressar a Vida e ao Pai tornar-se carne, manifestar-se e (fazer) existir os mundos.
É o Fiat criador, a energia dinâmica e vitalizadora, que resulta da dualidade e interação, força atractiva, que permite a manutenção, a sustentação, a conservação, a estabilidade, o equilíbrio, a duração e a coerência da estrutura dos mundos e do Universo. Corresponde a rajas, à ambiguidade, à actividade apaixonada e interessada, ao segundo raio, ao espaço-tempo, à região (bhuvar) e à mesoderme (a parte intermédia), à atmosfera, ao software, à mensagem, ao significado, à relação, ao antebraço, à Alma, ao dois.
Equivale ao nous, a inteligência espiritual, ao “Santificado seja o vosso nome” do “Pai Nosso”. Recorde-se que, um nome é, segundo Humberto Álvares da Costa[6], um movimento oscilatório, uma periodicidade, o incessante alento, a mudança que, do ponto de vista numerológico, se relaciona com o “cinco”. Além das nossas cinco vogais, existem 50[7] (5+0=5) letras do alfabeto sânscrito, que correspondem às 50 portas de Binah, o Conhecimento; também segundo a tradição islâmica, teriam sido dadas a Adão 32 letras (3+2=5) básicas do Verbo.
O segundo logos diferencia-se entre um pólo espiritual (Yang, Teo, Sangue, Vinho, consciência, fogo, masculino, positivo, compaixão, sul) e material (Yin, Sofia, corpo, pão, substância, água, feminino, negativo, rigor, norte), numa dimensão superior (Individualidade imperecível, o abstracto, o númeno, o emissor, o Sujeito, Transpessoal, Intemporal e Pleno, o Espiritual, Sagrado, a Senhora, a Virgem) e inferior (a personalidade mortal, o concreto, o fenómeno, o receptor, o objecto, o pessoal, temporal e limitado, o psicológico, o profano, a escrava, a prostituta).
Esta dualidade revela-se igualmente num mundo inteligível (o Mundo comum, solar, transcendente, infinito, incondicionado, necessário, Subjectivo, Invisível, da Potencialidade, o Res Cogitans de Descartes, o mundo Arûpa, dos arquétipos, das ideias, da Realidade, a dimensão inteligível, de Platão e Kant) e sensível (o privado, lunar, imanente, finito, condicionado, contingente, objectivo, visível, da actualidade, a res extensa de Descartes, o mundo da forma, Rûpa, da reprodução, das cópias, o reflexo da realidade, a ilusão, a dimensão sensível, de Platão e Kant). 

Espírito Santo

Desta relação dual surgirá o terceiro logos-locus - onde se dá a separação entre o pólo espiritual, emissor, activo, ideativo, e o pólo material, receptivo, passivo e substantivo – o logos feminino, Shiva, o Espírito Santo, o transformador e renovador, Vaikharî, a palavra manifestada, a vibração do som externo de cada forma, o significante.
Corresponde a tamas, a destruição, à ignorância, às trevas, à inércia, mas também à regeneração e à actividade inteligente, ao três, ao terceiro raio e princípio “Venha a nós o vosso Reino”, ao espaço, à terra (bhur), ao fogo (agni), à ectoderme (a parte externa), ao hardware, ao receptor, à existência, à mão (com os seus cinco dedos), à personalidade, à matéria, à manifestação, à encarnação verbal, ao absoluto no relativo. É a melodia e o acorde final.
Assim, é por intermédio do logos - poder colectivo constituído por um conjunto de mónadas, a Alma Universal do Mundo, a Mente e Sabedoria Divina, a razão ordenadora que executa o Pensamento Divino - que é criado, formado, ordenado e dirigido, tal como destruído e abandonado, tudo quanto existe, sobretudo quando a atenção e a intenção forem dirigidas[8], pois ao imprimir movimento no akasha, gera o universo objectivo[9]. Por isso, o Génesis afirma que no princípio era o Verbo e este era Deus.

* Anos 70

[1] «A Voz do Espaço-Tempo expressa muita coisa; porém o Silêncio permanece ainda além» in CLUC - No domínio do Espaço-Tempo, CLUC, 2000, pág. 95. [2] KRISTEVA, Julia – História da Linguagem, Edições 70, Lisboa, 1969, pág.67-82. [3] ANACLETO, José Manuel – Demiurgo in Biosofia, nº18, pág.15-20.[4] CLUC – Ritual de circulação de Luz, CLUC, 2001, pág. 66 [5] CLUC - Introdução à Sabedoria e Técnicas Grupais, CLUC, 1990. [6] COSTA, Humberto Álvares in As sete leis fundamentais, ST, pág. 15. [7] O mesmo número de radiações emitidas pelas unidades de força dos chakras Muladhara (quatro), Svadhisthana (seis), Manipura (dez), Anahata (dois), Vishudda (dezasseis) e Ajna (dois). [8] CLUC – No templo do Espírito Santo, CLUC, 1992, pág.152. [9] Cf. Teoria das Cordas.

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Vida serrana



Para enfrentar os tempos difíceis que se avizinham, olhamos para trás e reaprendemos com a população na montanha que sobreviveu à miséria.



Texto e fotografia Dina Cristo



«A vida simples das gentes serranas encerra uma lição de harmonia, sóbria dignidade e utilização comedida dos recursos (…) os utensílios eram remendados, reaproveitados ou reutilizados em novos contextos; nada se desperdiçava ou tirava fora; não havia tanto lixo nem se acumulavam objectos supérfluos»(1), retrata Paulo Ramalho.



A cultura serrana era despojada. «O Serrano era parco na sua alimentação, simples na sua atitude e honesto na sua conduta» refere António de Jesus Fernando, numa crónica da Serra publicada na Comarca de Arganil em Janeiro de 1997, citado pelo autor no seu livro “Tempos difíceis. Tradição e mudança na Serra do Açor”, editado em 1999, pela Câmara e Museu Municipal de Arganil.



«Tudo se cruzava, tudo estava intimamente ligado na vida quotidiana”(2) e numa relação estreita com a Natureza. As luzes acesas nunca podiam ser pares e cada utensílio era um bem raro. Os objectos eram improvisados e tinham múltiplas utilizações; eram simples e rústicos, mas belos e harmoniosos.



A aldeia tinha beleza e unidade, era «(…) uma parte que se integra harmoniosamente no todo”(3). As casas, pobres e escuras em lugarejos abandonados, eram de linhas simples e sóbrias mas possuíam um oratório familiar. Os quartos eram cubículos, gelados e sem janelas e os filhos mais velhos dormiam nos palheiros. Em quadras festivas, as paredes eram forradas com jornais.



A vida era difícil, por vezes miserável, mas de grande honestidade: «Uma vida dura, de trabalho e isolamento, com descanso no “dia consagrado”»(4). Os mineiros (nas Minas da Panasqueira) tinham um ofício perigoso e mal pago. por seu lado, os artesãos, muitas vezes, faziam os consertos em casa dos clientes, onde passavam dias. Havia relações de troca e os serviços prestados eram pagos em géneros.



Cultura de subsistência



O milho era o principal sustento. Seco ao sol e moído nos moinhos, com ele se faziam os coscoréis e a broa, inacessível aos mais pobres, que era cozida em fornos comunitários, com água morna, sal, farinha – sempre a mais velha - de milho, de trigo e de centeio.



O porco era essencial e o rebanho proporcionava, além do estrume, queijo, leite, carne e lã. Os chouriços e os queijos conservavam-se com azeite, que se benzia: «Deus te acrescente agora e sempre pelas almas do Purgatório”. O acesso aos alimentos dependia da idade e do sexo, segundo um código hierarquizado. Havia pouco espaço e repasto - as duas refeições quentes eram o almoço e a ceia.



«Por polémica iniciativa do Estado Novo, os pinhais substituíram, quantas vezes à força, os montes baldios cobertos de mato onde as cabras pastavam livremente»(5), controlando a sua altura e minimizando os riscos de incêndio. Hoje, em lugar dos matos existem pinheiros, eucaliptos, ribeiras secas, erosão e… fogos, que vieram nos anos 70 e 80, com o crescimento dos matos.



A Serra foi o espelho onde se reflectiam, ampliadas, as agruras do mundo. A miséria e a fome levaram à emigração para África, Brasil, Europa e Lisboa. Mas antes da aventura para lá da curva da estrada, há, segundo o autor, que recordar as raízes sãs e (re)colher os últimos ensinamentos: «Olhemos bem para trás antes de transpormos as portas do futuro»(6), recomenda.



O futuro está no passado



«Profunda contradição, esta – cada porta abre para um mundo agonizante, exibe feridas fundas vindas do passado, é um testemunho de tempos difíceis. Mas, a mesma porta, empurrada na direcção oposta, abre para o futuro (...). Conseguiremos nós, peneirar o passado no crivo do presente até lhe retirar o joio espúrio da pobreza e da miséria?»(7), interroga o autor.



Paulo Ramalho está convicto de que os dias que estão para vir mergulham as suas raízes nos dias já idos; afinal, cada geração come o pão amassado pela anterior. «Talvez o futuro deva ser assim: algo de muito novo, feito com a pedra sólida do passado»(8), já que:

«A nossa vida é um longo corredor

Atrás de nós cada chave fecha uma porta.

Se não as deitarmos fora, à nossa frente

Outras portas do corredor elas podem abrir»(9)


«A nossa civilização chegou à sua última encruzilhada: agora, ou consumimos o que resta do planeta ou reciclamos quase todos os nossos hábitos e atitudes»(10), defende Paulo Ramalho.

(1) RAMALHO, Paulo – Tempos difíceis. Tradição e mudança na Serra do Açor. Câmara Municipal de Arganil/Museu Municipal, 1999, pág. 84. (2) Idem, pág. 38. (3) Idem, pág. 15 (4) Idem, pág. 56. (5) Idem, pág. 67. (6) Idem, pág. 88. (7) Idem, pág. 15. (8) Idem, pág. 88. (9) Idem, pág. 90. (10) Idem, pág. 82.

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quarta-feira, 14 de novembro de 2012

(In)segurança


Em plena greve geral e num momento de instabilidade, com perdas e mudanças, reavivamos as origens da insegurança e algumas formas de a ultrapassar.



Texto e fotografia Dina Cristo



A falta de apoio e de amor, em criança, provoca insegurança. Segundo dados referidos por Elaine N. Aron, cerca de 40% a 50% da população teve durante a infância uma ligação insegura, o que origina, mais tarde, relacionamentos cautelosos, evasivos, por receio de se magoar, ou então muito intensos, de ambivalência ansiosa, como no caso das Pessoas Altamente Sensíveis (PAS). Quando em pequenas, as chamam de incapazes ou imbecis, para as tornar sossegadas e obedientes, os educadores bloqueiam e assustam os mais novos.



A insegurança pode ter sido motivada por uma mãe negligente ou, pelo contrário, superprotectora, fazendo o bebé sentir-se carente ou dependente dela para o proteger do mundo, sentido como ameaçador e terrível. Esta sensação de perigo ou risco - que também pode ser provocada por um cuidador irado ou advir da memória implícita, pouco consciente, sobretudo em caso de perdas emocionais ou abusos - cria excitação que, de breve, se pode tornar duradoura e gerar uma hiperexcitação de longo prazo, como acontece com as PAS.



Ao mesmo tempo que se agarra ao seu tutor, a criança é desencorajada a explorar e a descobrir o mundo. Por falta ou excesso de cuidado, ela pode temer ser abandonada ou ter uma compulsão (ou resistência) para a intimidade, o que a pode conduzir, em adulta, a reproduzir o mesmo tipo de padrão, atraindo relacionamentos com o mesmo género de pessoas, designadamente sob promessas de amor e segurança, na procura de uma “âncora”.



A falsa segurança



Por vezes, o sentimento de insegurança é tão forte e o impulso para encontrar um porto seguro tão intenso, que conduz à procura de um abrigo imediato. A tentativa de conquistar uma segurança fácil, apressada e externamente, conduz à falsa segurança - uma exibição encenada, ostentando uma postura aparentemente segura, como forma de esconder a insegurança realmente sentida, ou a tentativa de domínio, controlo e imposição face ao outro que, assim, tenta segurar e submeter.



“A segurança de um não pode ser obtida mediante a insegurança de outro”, lembra Carlos Cardoso Aveline, escritor, jornalista, ambientalista e teósofo. A manipulação, a luta pelo poder dentro de uma relação não passa de uma forma ilusória de tentar, em vão, garantir a manutenção da “luz de presença” humana. Esta atitude conduz a relações opressivas, destrutivas e de aprisionamento (de)ge(ne)radas pelo temor da perda. É a vulnerabilidade trasvestida de força e potência, a sensação de escassez e insuficiência, catalisadora da tristeza e da desgraça.



É o medo e o desejo, que tenta agarrar, prender e possuir o outro como forma de compensar a própria insegurança. Ao tentar fixar o que por si só é dinâmico, evita a mudança, que é a essência da própria vida, que flui. Como declara a terapia Aurosoma, “a única constante da vida é a mudança”. Spencer Johnson afirma, por seu lado, que às vezes é mais seguro antecipar as alterações e procurar no “labirinto” novos “queijos” do que permanecer na zona de conforto, conhecida e familiar. A resistência às transformações pode levar a cair não só na inércia mas também a cristalizar e a desvitalizar.



A falta de segurança origina, entre outras doenças, deficiente equilíbrio, dores de cabeça, resfriamentos, problemas nos pés e na vista, nomeadamente miopia. Ultimamente, sobretudo depois do 11 de Setembro, tornou-se um pretexto para maiores e mais fortes violações dos direitos humanos e uma vigilância permanente em muitos espaços públicos e comuns, com gravações constantes ao nível do vídeo e do áudio, como nos atendimentos telefónicos das mais diversas empresas.



A via segura



Astrologicamente, o sentimento de insegurança, a qualidade reversa do centro energético básico, é representado pela Lua, numericamente o 18 - quando a sua percepção relativa ao passado poderá ser mais facilmente integrada e superada, designadamente mediante o uso da imaginação. Oportunidade para reverter a falta de suficiente cuidado, atenção, carinho e amor - vindo e vivido do exterior, habitualmente reproduzida depois pela própria pessoa insegura - em auto-conhecimento, de que advirá auto-estima e, por consequência, auto-confiança, que pode ser coadjuvada pelo floral “wild oat”, especialmente no dia, mês ou ano 17.



Mas um dos principais contributos é através da comunicação: consigo próprio, reduzindo a alienação; com os outros, a comunidade, fortalecendo a segurança social real; com a Natureza, estudando as suas leis, contemplando-a; com o Universo, designadamente pela meditação, e com a Alma, o Centro do Ser, o Céu no Plano Causal. Em reintegração interior e religação exterior, o indivíduo sente-se, então, mais apoiado. A protecção advém do contacto, da relação, do serviço e não da separatividade, isolamento ou exploração.



Através da aceitação e vivência da insegurança, atravessando-a, esta poderá ser sacrificada e ultrapassada, atingindo-se a verdadeira segurança. A instabilidade, à superfície, a mudança, o desconforto, são parte do caminho em direcção à vera estabilidade (simbolicamente no topo da montanha ou no mais fundo dos mares), permanência e conforto, à confiança na própria vida, na Graça que providencia a cada momento o que é necessário, útil e adequado, independentemente de parecer um ganho ou uma perda, e despoletar, no imediato, alegria ou tristeza.



A segurança real



Até aos nossos dias, a aparente segurança foi colocada na acumulação de dinheiro ou no sistema bancário, cuja confiança cega permitiu a emissão de moeda fiduciária sem corresponder às reservas de ouro. O sucesso da falsa segurança (na obtenção de bens, na posse de pessoas ou na aquisição de posições) levou, em alguns casos, à arrogância e a deixar de prestar atenção ao que se passa(va) à volta, como se refere no livro “Quem mexeu no meu queijo?”. O foco foi colocado na periferia, nas expectativas alheias, estimuladas pelos modelos mediáticos, disfuncionais, mantendo a segurança enganosa e incitando o medo desnecessário, numa cultura em perseguição da segurança (alimentar, digital, pública, rodoviária, sexual, social, etc.).



Na religação à Fonte Natural e íntima, a ecologia, e nos laços entre as criaturas, a solidariedade, reside a verdadeira segurança e apoio, origem de (auto)conhecimento, (auto)estima e (auto)confiança e, portanto, verdade, amor e coragem, em abundância e liberdade. No respeito pelas Leis, que protegem, em vez da transgressão que vulnerabiliza, na transparência, em vez da mentira, da força de vontade em vez da fragilidade do desejo, o verdadeiro refúgio fomentador de alegria, conforto e cura, descanso, ordem e tranquilidade – a estrutura realmente estável, sem precisar de perdas, bloqueios ou lamentações.



Este verdadeiro abrigo, que não pode ser fornecido pelos seguros, o amor, o discernimento e a verdade, em relação a si próprio e aos outros, providencia a confiança necessária para enfrentar, sem medo, novas experiências, com energia própria, dispensando de a exigir ou extorquir aos outros e, efectivamente, satisfazendo aquela que é uma das necessidades humanas essenciais, a segurança, material, emocional ou mental, encontrada a um nível interior e profundo, ao mesmo tempo, global e elevado.



Desta forma, independentemente de se ter tido cuidadores agressivos, desmazeladas ou excessivos, e sem recorrer à ocultação, disfarce ou contrapartida da insegurança sentida, mantendo o medo e a carência, o caminho é enfrentá-la e transmutá-la, passando da separatividade individualista ao restabelecimento de relações conscientes com a identidade essencial e central de si próprio, dos outros e do universo - fonte de luz e calor e, portanto, da solidez, firmeza e audácia autênticas, com suficiente vontade e poder benéfico para desvendar o mundo, sem aprisionamentos e sofrimentos desnecessários.

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quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Saudades de Portugal




No dia da reeleição de Barack Obama, véspera dos 135 anos do nascimento de Teixeira de Pascoaes, relembramos, através da primeira obra de prosa do escritor português, o potencial da natureza saudosista da alma nacional.



Texto Dina Cristo



A pátria é um ser vivo, espiritual, superior às vidas individuais que o constituem e dependente, no seu progresso e liberdade, do sacrifício dos indivíduos que, para se guiarem no seu trabalho, amor e luta, devem conhecer a alma portuguesa, plena de lembrança e esperança.



É o sacrifício, o serviço do inferior ao superior, que permite a harmonia universal. No ser humano rudimentar ele manifesta-se através da vivência da vida da família, no ser mais elevado, da pátria e no ser sublime da Humanidade e, depois, do próprio Universo. Contudo, esta lei suprema deve ser cultivada sem destruir os interesses individuais, familiares e municipais.



Para Teixeira de Pascoaes, o indivíduo deve, em primeiro lugar, amar-se a si próprio, a sua alegria e beleza, cuidando da sua saúde. «Devemos, antes de tudo, amar a nossa pessoa individual, vendo já nela a sua descendência. O verdadeiro próximo somos nós. O outro próximo é uma ilusão, origem piedosa de muitos males»(1).



A recordação



Para além da paisagem (a terra) e da herança (o sangue), na origem primitiva da alma pátria esteve a fusão de dois ramos distintos: o ariano - do qual procedeu a civilização greco-romana, o Naturalismo, o Paganismo, o Panteismo, a Forma, a Sensualidade, o amor carnal, que mantém a vida - e o semita, do qual adveio a civilização judaica, a Bíblia, o Espiritualismo, o Cristianismo, o amor ideal, que purifica a vida.



Gregos, romanos, celtas, godos, por um lado, e judeus, árabes e fenícios, por outro, misturaram-se, casaram-se a tal ponto que a sua dualidade e contraste se uniu, dando origem à raça lusíada, com qualidades físicas, morais e electivas próprias de um povo, bem como a promessa de uma nova luz original, de que resultou o sentimento saudoso.



A saudade - memória amargurada e dolorosa do passado, de âmbito espiritual, e esperança alegre, gostosa em relação ao futuro, de âmbito material, o parentesco íntimo com as coisas - manifesta-se sobretudo ao nível da linguagem popular, de extrema sensibilidade ao Mistério, das palavras intraduzíveis, que emanam a essência espiritual de tal sentimento, das lendas, da arte como da religião.



Mas a área em que melhor se revela o misticismo e a sensibilidade panteísta da alma portuguesa é na literatura, na expressão vivente dos escritores portugueses, não apenas forma mas também essência, e sobretudo na poesia, no seu lirismo elegíaco, no amor saudoso e platónico, no sentido etérico, puro e imaterial.



A esta superioridade poética corresponde uma inferioridade filosófica, pois a personalidade portuguesa, mais sentimental, espontânea e emotiva, alumia mais do que vê, vive mais do que interpreta. Tal característica conduz à dispersão do ideal colectivo, que assim é ignorado e incompreendido, e, incapaz de construir novas verdades, leva Portugal a transviar-se, a hesitar e a não progredir.



Para avançar, a pátria necessita do sacrifício dos portugueses, guiados no seu amor, trabalho e luta pelo conhecimento da essência da alma pátria, a saudade, e da sua aspiração, a Renascença. «Desejaríamos tornar sentimental a VERDADE PORTUGUESA demonstrada neste livro, para que ela desse nova energia aos portugueses»(2), declara, no final da obra o seu autor.



(De)feitos



Do carácter saudoso, o desenho íntimo, o ser, resultam as qualidades, exteriorização em acção, o fazer, da alma nacional. Em primeiro lugar o sentimento de independência e de liberdade, de que deriva o génio aventureiro (que leva a arriscar a vida individual por um fim de utilidade colectiva), o poder de iniciativa, a faculdade inventiva.



Este espírito de originalidade, sob a dor (da derrota), como no sebastianismo, pode transformar-se na segunda derivação, o espírito messiânico, que é a espiritualização da aventura, a redenção e a sua missão. As três qualidades existem nas artes e nas letras, ao contrário dos defeitos, que vivem nos portugueses, assim que o carácter adoece, se dilui e decai.



«Que tragédia, a terrível ausência da nossa alma! O sonâmbulo automatismo em que vagueia a nossa Pátria sem destino, tão aleijada e apagada de feições que é difícil reconhecê-la! Será ela? Não será? O incolor, o insípido, o inodoro esfumam, em nódoa pálida e fria, seu vulto mortuário, errando ao sabor daqueles que exploram a sua morte…»(3).



Trata-se da vil tristeza que acompanha a falta de persistência, quando o espírito de aventura, impulsivo, não tem continuidade e é, muitas vezes, abortado. O lado negativo do pioneirismo surge, então, reforçado, degenerado e viciado, enquanto espírito de imitação, de vaidade susceptivel e de intolerância.



«É outro defeito muito vulgar num Povo que foi grande e decaiu. Inferior e pobre, considera-se ainda possuidor dos bens arruinados. Continua a viver, em sonho, o poderio perdido. Mas, como toda a vida fantástica pressente o próprio nada que a forma, torna-se, por isso mesmo, de uma susceptibilidade infinita, sangrando dolorosamente, ao contacto de qualquer coisa de real que, junto dela, se ponha em contraste revelador da sua ilusória aparência»(4).



A esperança



A alma pátria é a soma electiva dos indivíduos que trabalham aspirando a um fim comum. No caso do génio português, o sonho secular e profundo, a mais íntima e eterna aspiração do ser humano, não é individual mas colectiva, dinâmica e popular, instintivamente sentida pelos poetas e pelo povo, ao qual deve competir «(…) convertê-la em concreta realidade social ou nova Civilização»(5).



Trata-se da Renascença, a futura civilização de harmonia - entre Paganismo e Cristianismo, Lembrança e Esperança, Tradição e Revolução, Herança e Personalidade, Espírito e Matéria. Uma aspiração presente no idealismo religioso, popular e anti-intelectual, de transmutar a natureza inicial, material, imperfeita e demoníaca em espiritual, perfeita e divina – a obediência do condicional ao absoluto, a vida e a paz do céu.



A este idealismo saudosista se junta o culto da saudade (o saudosismo) e o próprio sebastianismo, quando a grandeza de Portugal morreu materialmente para renascer espiritualmente. Assim, além do mundo realista, com a presença do objecto, e do romântico, com a sua indeterminação, há um outro mundo, expressão de uma saudade, com ausência do objecto sobre o qual incide.



Eis a verdade portuguesa para a Renascença pátria, uma organização de ideias espalhadas através de “A Águia”, escrita com sensibilidade poética, segundo o próprio Teixeira de Pascoaes - um visionário e ouvinte, de coração aberto, segundo Miguel Esteves Cardoso – para o qual os portugueses estão destinados, por um lado, ao sacrifício, à lembrança e à determinação, por outro à redenção, à esperança e à libertação.



Foi objectivo do autor elevar os portugueses ao estado de alma heroica, de sacrifício pelo país. «Há momentos em que o sentimento de obediência à Lei suprema desfalece, pondo em perigo a independência de uma Raça, a qual se firma, a todo o instante, no esforço comum dos indivíduos que a compõem (…) É preciso, portanto, fortalecer e animar a alma dos portugueses, para que a Pátria, que deles depende, ganhe novas energias e virtudes»(6).




A pátria é constituída por uma raça que se organizou e se tornou independente politicamente. Por isso, querer destrui-la, afirma, Pascoaes, é um absurdo. «O Cancioneiro e a obra camoniana constituem os dois fundamentos indestrutíveis da nossa Raça. Logo que a Mocidade os compreenda, subordinando-lhes o seu espírito, e obrando a profunda reforma política, religiosa, económica e literária de que a Pátria necessita para se erguer, definida e viva, da nódoa estrangeirada em que a deliram e apagaram, então, sim, voltaremos, de novo, a ser Alguém…»(7).

(1) PASCOAES, Teixeira de – Arte de ser português, Assírio & Alvim, 3ª ed. 1998, pág.35. (2) Idem, pág.124. (3) Idem, pág.100 (4) Idem, pág.101 (5) Idem, pág.113. (6) Idem, pág. 29. (7) Idem, pág.71.

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